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    Músico japonês veio morar no Brasil para aprender bossa nova

    (...) Depoimento a
    MARIANA ZYLBERKAN
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    18/06/2016 02h00

    RESUMO O músico japonês Shoji Kaneda, 33, se mudou para o Brasil há sete anos para ter aulas de violão e aprender a tocar bossa nova no Conservatório de Tatuí, no interior de SP. Formado em direito, ele hoje mora no bairro da Liberdade, em São Paulo e toca em bares. Na última vez em que esteve no Japão para visitar a família, se surpreendeu com uma situação que mostrou que já tinha assimilado características brasileiras.

    Marlene Bergamo/Folhapress
    Músico Shoji Kaneda, que veio para o Brasil em 2009 para aprender música brasileira e nunca mais voltou para o Japão
    Músico Shoji Kaneda, que veio para o Brasil em 2009 para aprender bossa nova e nunca mais voltou

    *

    Foi por causa da bossa nova que migrei do Japão para o Brasil, há quase sete anos. Era estudante de direito na Universidade de Tezukayama, na cidade de Nara (a 370 km de Tóquio), onde nasci, quando comprei um disco do Tom Jobim e ouvi a música "Chega de Saudade" pela primeira vez. Fiquei impressionado, nunca tinha ouvido nada parecido.

    Já frequentava aulas de jazz e música americana ao violão no Japão, mas percebi que se quisesse aprender a tocar bossa nova de verdade tinha que me aproximar da cultura brasileira, por isso decidi me mudar para o Brasil. No meu país, aprender música se resume a repetir os acordes com precisão, mas para mim, isso era muito pouco. Eu precisava respirar e viver no mesmo lugar onde Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto conviveram.

    Antes de viajar, trabalhei um ano como operário na fábrica da Honda para juntar dinheiro. Terminei o curso de direito, mas sempre soube que não seria advogado. Escolhi o curso porque queria ganhar muito dinheiro, mas depois percebi que a vida não era apenas isso.

    Procurei por escolas de música no Brasil e meu professor de percussão, casado com uma brasileira, me falou sobre o Conservatório de Tatuí, a 141 km de SP. Pedi a uma amiga que estudava português para me ajudar a redigir o e-mail em busca de informações sobre os cursos.

    Esperei semanas e ninguém me respondeu. Achei estranho uma escola pública ser tão desorganizada, então vim ao Brasil pela primeira vez em 2008, ainda como turista, para me informar pessoalmente. Fiquei hospedado na casa do amigo de um amigo, em São Paulo, que me levou a Tatuí.

    Quando retornei ao Japão, contei para a minha família que iria me mudar para o Brasil. Minha mãe concordou, mas sei que ela preferia que eu continuasse por perto. Sou o filho caçula de quatro irmãos, todos casados e com filhos, o único que seguiu um caminho diferente.

    Em Tatuí, morei um ano no alojamento do conservatório, com outros 30 alunos. No começo, a barreira da língua não atrapalhou muito as aulas, afinal, partitura é igual em todo o mundo. Em menos de um ano já estava falando português, graças à convivência com os colegas no alojamento, que me ensinaram, sobretudo, a falar palavrões.

    Depois de um ano, minhas economias começaram a minguar, então tranquei o curso e me mudei para São Paulo. O aluguel por aqui é muito caro, mais ainda do que no Japão; sorte que um amigo me ofereceu um quarto para alugar no apartamento onde mora, na Liberdade.

    Trabalho quase toda noite como músico. Às quartas-feiras toco guitarra e contrabaixo em um restaurante japonês na Vila Madalena, bem frequentado pela comunidade. Meu repertório é basicamente música tradicional japonesa. Também tenho uma banda que acompanha apresentações de caraoquê.

    Há uns três anos, fui pela última vez ao Japão para visitar a minha família. Um episódio durante essa viagem me fez perceber o quanto já havia me aproximado da cultura brasileira.

    Fui convidado por um amigo para tocar em uma apresentação em Tóquio. Estava marcado para subirmos ao palco às 19h, mas nesse horário eu ainda estava embarcando no trem em Nara. Quando cheguei, encontrei meu amigo tocando sozinho.

    Na hora pensei em dizer que o trem atrasou, como faria se estivesse no Brasil, mas depois lembrei que isso não acontece no Japão. Os trens chegam sempre no horário previsto. Então apenas me desculpei e subi ao palco para tocar, com mais de uma hora de atraso.

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