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    Nova regra sobre autorização para cesárea acirra debate entre gestantes

    MARINA ESTARQUE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    21/06/2016 02h00

    De um lado, gestantes que condenam qualquer pressão ou interferência externa no tipo de parto de seus filhos. De outro, as que referendam a tese de que há uma cultura da cesárea –ou, ainda que não façam questão do parto normal, que rejeitam a antecipação do nascimento.

    A discussão já é parte da rotina de grávidas com amigos, parentes e até desconhecidos antes mesmo de chegar a consultórios médicos. Agora, ficou ainda mais acirrada.

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    Maria Jaqueline Derolle Chezine, 37, na porta de uma maternidade no bairro Paraiso. Maria fala o que acha sobre as novas regras para cesareas. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO***
    Maria Jaqueline Chezine, 37, que está com 25 semanas de gravidez e diz concordar com a nova regra

    "Acho um absurdo limitar, a pessoa tem que poder escolher qual tipo de parto", diz a bancária Priscilla Teixeira, 36, que decidiu esperar 39 semanas para fazer sua cesárea, mas para quem a gestante deve ter a opção de antecipar.

    Pelas novas regras previstas em resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina), divulgada nesta segunda (20), os médicos só poderão realizar cesáreas eletivas, a pedido da gestante, a partir da 39ª semana, momento em que estudos apontam que há menos riscos ao bebê.

    Cesárea
    Veja o que muda com a resolução do CFM

    Para Denise Alencar, 37, a medida está correta. Ela decidiu marcar a cesárea por ter outra filha pequena. "Não sei se iria ser traumatizante para ela que eu saísse correndo no meio da madrugada. Então marquei a cesárea, mas segurei até 39 semanas. Acho que não é saudável para um bebê sair antes, ele tem que vir na hora que quiser", diz.

    Mulheres na reta final da gestação se mostravam apreensivas e temerosas nesta segunda sobre a possibilidade de a decisão do CFM interferir em seus partos. A vendedora Priscilla Barbosa da Silva, 39, considerava não haver necessidade de esperar até a 39ª semana.

    "Não acho legal essa medida, porque é muito cansativo esperar. Depois de 37 semanas já dá", defendia ela, que está com 38 semanas e que tinha cesárea marcada ainda para esta segunda-feira.

    A professora Tatiana Vitale, 33, é defensora da espera. "Quero parto normal, acho que não tem necessidade de antecipar", afirmou à Folha.

    A bancária Gisele Bevilaqua, 26, teve seu primeiro filho de parto normal, no pronto-socorro. No caso do segundo, ficou preocupada de ficar esperando para ser atendida e preferiu marcar cesárea.

    Com 38 semanas e meia, ela teria seu bebê nesta segunda-feira. Mesmo assim, acredita que a mudança da regra é importante. "Acho interessante esperar. Minha médica disse que já podia ter com 38 semanas, e eu resolvi aguardar mais um pouco."

    Maria Jaqueline Chezine, 37, é enfermeira e trabalha com pediatria e UTI neonatal. Com 25 semanas, ela dizia concordar com a nova diretriz. "Já vi muito bebê de 38 semanas ter que ir para a UTI, porque não estava maduro o suficiente. Eu queria ter parto normal, mas tenho problema na coluna e não posso."

    Chezine vai esperar até a 39ª semana para fazer seu parto. "Tenho amiga marcando eletiva com 38 semanas para nem entrar em trabalho de parto, com medo da dor."

    *

    O que muda com as novas regras do Conselho Federal de Medicina?
    As regras determinam que os médicos podem realizar cesáreas eletivas –ou seja, agendadas– a pedido da gestante. O procedimento, porém, só pode ocorrer a partir da 39ª semana de gestação, com dados registrados em prontuário

    Por que o conselho definiu o período de 39 semanas como limite mínimo?
    Para o conselho, que se baseou em um estudo do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, esse é o período em que se inicia a gestação a termo, ou seja, quando o bebê já seria considerado mais maduro. Em alguns casos, também há dificuldade em se estabelecer a semana exata de gravidez, o que diminuiria os riscos de ter um parto prematuro

    Quais os riscos para o bebê que nasce antes da 39ª semana?
    Bebês que nascem antes do tempo estão mais suscetíveis a problemas respiratórios, além de dificuldades para manter a temperatura do corpo e se alimentar; a fase também é importante para completar o desenvolvimento do cérebro, pulmões e fígado

    E se o bebê tiver alguma complicação ou a gestante entrar em trabalho de parto antes desse período?
    As regras valem apenas para os casos de cesáreas agendadas e feitas a pedido da gestante. Nos casos em que houver a indicação médica, ou que a gestante optar pelo parto normal ao fim da gestação, não há mudanças previstas

    Em que situações o parto por cesariana é recomendado?
    Quando a gestante tiver complicações de saúde, como diabetes, ou se houver risco para o bebê (casos em que está sentado, por exemplo)

    Como garantir que a cesárea foi opção da gestante e não do médico?
    A resolução estabelece que, nos casos em que a gestante optar pela cesárea, ela deve assinar um termo de consentimento em que afirma ter sido informada das opções possíveis para o parto e estar ciente dos riscos do procedimento cirúrgico. Para o Ministério da Saúde a a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que lançaram em 2015 medidas para estímulo do parto normal, a realização de cesáreas "desnecessárias", sem indicação médica, aumenta o risco de problemas para a saúde do bebê e da mãe

    E se o médico não concordar com a decisão da gestante?
    A resolução do CFM prevê que, "se houver discordância entre a decisão médica e a vontade da gestante, o médico poderá alegar o seu direito de autonomia profissional e, nesses casos, referenciar a gestante a outro profissional"

    Mas cesáreas feitas a pedido da gestante já não eram permitidas pelo conselho?
    Embora resoluções anteriores já afirmassem que o médico precisa respeitar a autonomia do paciente, não havia uma regra específica para os casos de cesáreas feitas a pedido da gestante. Segundo Juvenal Andrade, da Febrasgo, havia um dilema ético sobre a questão, o que faz com que o novo texto que dê maior proteção ao médico

    Haverá uma fiscalização dessas regras?
    O conselho diz que a medida deve ser incluída na rotina das equipes de fiscalização do conselho, por meio da análise de prontuários nas maternidades

    O que ocorre com o médico que não cumprir a resolução, como o prazo mínimo de 39 semanas?
    Em caso de descumprimento, o caso deve ser analisado pelo CFM, que pode aplicar sanções que vão desde advertência até a suspensão do registro profissional, necessário para a prática médica. As medidas variam conforme a gravidade do caso

    As regras podem estimular um maior número de cesáreas a pedido?
    Para Juvenal Andrade, da Febrasgo, não há essa possibilidade. Para movimentos de defesa dos direitos da mulheres como o Artemis, no entanto, a medida deixa de incluir os médicos na discussão sobre a necessidade de reduzir a alta taxa de cesáreas no país, que chega a 85% dos partos nos planos de saúde. A taxa máxima recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 15%.

    Fonte: Conselho Federal de Medicina

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