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    Obstetras e grupo pró-parto normal se dividem sobre nova regra de cesáreas

    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    21/06/2016 02h00

    A divulgação das novas regras em relação ao parto por cesárea voltou a dividir parte de quem atua no setor. Enquanto representantes de associações de obstetras elogiam a medida, movimentos que defendem o parto normal questionam o fato de as medidas serem voltadas apenas ao parto cirúrgico.

    Para Juvenal de Andrade, diretor de defesa profissional da Febrasgo (federação de obstetras), a medida resolve um "dilema ético" sobre os casos de cesáreas feitas a pedido. "Antes, quem topasse fazer, infligia num conceito ético", afirma Andrade, que nega que a medida estimule a cesárea agendada. "As campanhas do parto vaginal hoje são muito mais fortes do que isso", diz.

    Christian Berthelot/BBC
    Os primeiros segundos de um bebê nascido por cesárea
    Os primeiros segundos de um bebê nascido por cesárea

    Já Raquel Marques, da ONG Artemis, que representa o direito das gestantes, faz ressalvas à medida. Segundo ela, ao mesmo tempo em que a definição de um limite mínimo de gestação minimiza os riscos ao bebê, a resolução retira a responsabilidade dos médicos diante do alto índice de cesáreas no país.

    "Isso reforça a crença de que a cesariana é só uma vontade da mulher, quando na verdade essa vontade também é construída com o médico no pré-natal", afirma. "Falta aos médicos assumirem a responsabilidade de que também são parte desse problema."

    Em nota, o Ministério da Saúde e a ANS dizem que as novas regras definidas pelo conselho ampliam a proteção aos bebês. Ambos recomendam, no entanto, que o parto normal seja "sempre a principal opção", uma vez que cesarianas "feitas sem necessidade" aumentam as chances de o bebê ter problemas respiratórios e o risco de morte para a mãe.

    A MUDANÇA

    Médicos só poderão realizar cesáreas a pedido da gestante que prefere esse tipo de parto a partir da 39ª semana de gestação, momento em que estudos apontam que há menos riscos ao bebê. A medida faz parte de novas regras previstas em uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) para realização de cesáreas no Brasil.

    Cesárea
    Veja o que muda com a resolução do CFM

    O documento, divulgado nesta segunda-feira (20), estabelece que "é ético o médico atender à vontade da gestante de realizar o parto cesariano, garantida a autonomia do profissional e da paciente", bem como a segurança da mãe e do bebê.

    Neste caso, a gestante deverá assinar um termo de consentimento livre e esclarecido em que afirma sido informada dos benefícios e também dos riscos da decisão, "bem como sobre o direito de escolha da via de parto." Para o presidente do conselho, Carlos Vital, as novas regras visam assegurar tanto a segurança do bebê quanto o direito à cesárea.

    CESÁREAS - Opção é predominante na rede privada (em %)

    A definição do período da 39ª semana de gestação como limite mínimo para realização da cesárea eletiva pelos médicos segue estudo elaborado em 2013 pelo Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas.

    Na época, o grupo definiu que esse seria o marco das gestações e partos a termo –ou seja, não prematuros. Antes, diz o CFM, bebês que nasciam a partir da 37ª semana de gestação já eram considerados maduros.
    Vital lembra, no entanto, que nem sempre é possível ter a informação exata do período da gravidez.

    "A data da última menstruação é uma informação insegura. Ao fazer a cesárea a partir da 37ª semana, poderia estar fazendo de maneira muito precoce e com consequências nefastas ao feto."

    Segundo o conselho, bebês nascidos antes deste período recomendado têm mais chance de apresentar problemas respiratórios, além de dificuldades para manter a temperatura corporal e se alimentar, entre outros danos. "O amadurecimento fetal ocorre de maneira mais intensa nessas últimas semanas", afirma. "São desenvolvimentos delicados, do fígado, pulmão e até mesmo do cérebro."

    A fiscalização do cumprimento das medidas deve ser feita pelas equipes dos conselhos regionais de medicina, a partir dos prontuários nas maternidades. Em caso de descumprimento, o médico está sujeito a medidas como advertência até suspensão do registro profissional, de acordo com a gravidade do caso.

    Para o obstetra Newton Busso, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, a definição por realizar a cesárea somente a partir da 39ª semana é positiva. "Isso só confirma o que o indivíduo que pratica uma boa medicina já faz", afirma.

    Cesáreas em relação ao total de partos (em %)

    DIREITO DE NÃO FAZER

    Em outro ponto, o CFM também estabelece a possibilidade do obstetra se recusar a realizar o parto caso discordar da opção da gestante (sendo essa parto normal ou cesárea), com base no seu direito de "autonomia profissional".

    Nesse caso, a gestante deve ser encaminhada a outro médico. Segundo o conselho, a medida é válida nos casos em que o médico avaliar que a escolha do tipo de parto não é a mais segura diante das condições do bebê.

    "O que o CFM quer é que se resguarde a autonomia da mulher brasileira. Ela tem o direito de escolher a que procedimento será submetida. E o médico tem o dever de explicar as consequências", afirma o coordenador da câmara técnica de ginecologia e obstetrícia do conselho, José Hiran Gallo.

    A discussão sobre regras para as cesáreas já havia sido alvo de polêmica no último ano, quando o Ministério da Saúde e a ANS lançaram medidas para conter a alta taxa desse tipo de parto nos planos de saúde.

    Hoje, 84,6% dos partos na rede privada são cirúrgicos. Na rede pública, o índice é de cerca de 40%. As ações previam a possibilidade de que médicos e hospitais deixassem de receber dos planos de saúde caso não comprovassem que havia indicação de cesárea.

    Após críticas, a agência elaborou novo documento que voltou a liberar as cesáreas por opção da gestante.

    *

    O que muda com as novas regras do Conselho Federal de Medicina?
    As regras determinam que os médicos podem realizar cesáreas eletivas –ou seja, agendadas– a pedido da gestante. O procedimento, porém, só pode ocorrer a partir da 39ª semana de gestação, com dados registrados em prontuário

    Por que o conselho definiu o período de 39 semanas como limite mínimo?
    Para o conselho, que se baseou em um estudo do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, esse é o período em que se inicia a gestação a termo, ou seja, quando o bebê já seria considerado mais maduro. Em alguns casos, também há dificuldade em se estabelecer a semana exata de gravidez, o que diminuiria os riscos de ter um parto prematuro

    Quais os riscos para o bebê que nasce antes da 39ª semana?
    Bebês que nascem antes do tempo estão mais suscetíveis a problemas respiratórios, além de dificuldades para manter a temperatura do corpo e se alimentar; a fase também é importante para completar o desenvolvimento do cérebro, pulmões e fígado

    E se o bebê tiver alguma complicação ou a gestante entrar em trabalho de parto antes desse período?
    As regras valem apenas para os casos de cesáreas agendadas e feitas a pedido da gestante. Nos casos em que houver a indicação médica, ou que a gestante optar pelo parto normal ao fim da gestação, não há mudanças previstas

    Em que situações o parto por cesariana é recomendado?
    Quando a gestante tiver complicações de saúde, como diabetes, ou se houver risco para o bebê (casos em que está sentado, por exemplo)

    Como garantir que a cesárea foi opção da gestante e não do médico?
    A resolução estabelece que, nos casos em que a gestante optar pela cesárea, ela deve assinar um termo de consentimento em que afirma ter sido informada das opções possíveis para o parto e estar ciente dos riscos do procedimento cirúrgico. Para o Ministério da Saúde a a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que lançaram em 2015 medidas para estímulo do parto normal, a realização de cesáreas "desnecessárias", sem indicação médica, aumenta o risco de problemas para a saúde do bebê e da mãe

    E se o médico não concordar com a decisão da gestante?
    A resolução do CFM prevê que, "se houver discordância entre a decisão médica e a vontade da gestante, o médico poderá alegar o seu direito de autonomia profissional e, nesses casos, referenciar a gestante a outro profissional"

    Mas cesáreas feitas a pedido da gestante já não eram permitidas pelo conselho?
    Embora resoluções anteriores já afirmassem que o médico precisa respeitar a autonomia do paciente, não havia uma regra específica para os casos de cesáreas feitas a pedido da gestante. Segundo Juvenal Andrade, da Febrasgo, havia um dilema ético sobre a questão, o que faz com que o novo texto que dê maior proteção ao médico

    Haverá uma fiscalização dessas regras?
    O conselho diz que a medida deve ser incluída na rotina das equipes de fiscalização do conselho, por meio da análise de prontuários nas maternidades

    O que ocorre com o médico que não cumprir a resolução, como o prazo mínimo de 39 semanas?
    Em caso de descumprimento, o caso deve ser analisado pelo CFM, que pode aplicar sanções que vão desde advertência até a suspensão do registro profissional, necessário para a prática médica. As medidas variam conforme a gravidade do caso

    As regras podem estimular um maior número de cesáreas a pedido?
    Para Juvenal Andrade, da Febrasgo, não há essa possibilidade. Para movimentos de defesa dos direitos da mulheres como o Artemis, no entanto, a medida deixa de incluir os médicos na discussão sobre a necessidade de reduzir a alta taxa de cesáreas no país, que chega a 85% dos partos nos planos de saúde. A taxa máxima recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 15%.

    Fonte: Conselho Federal de Medicina

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