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    Famílias e moradores de favela passam as noites em busca de comida em SP

    EMILIO SANT'ANNA
    DE SÃO PAULO

    26/06/2016 02h00

    Da 23 de Maio saem seis garotos e uma menina. Vêm de um canteiro ao lado da avenida. De uma ocupação na Conselheiro Furtado, uma família inteira. Mãe, dois filhos, avó, irmã. Da favela do Moinho, tia, sobrinhas e vizinhos. De baixo das cobertas, todos os cerca de 50 moradores de rua que vivem no Pateo do Collegio, no centro.

    Para lá, onde São Paulo começou, um sem número de pessoas que nela parecem não encontrar espaço retorna todas as noites em busca do básico para serem considerados cidadãos: comida. A Folha acompanhou durante três noites a movimentação desses moradores no local histórico que, na última segunda-feira (20), amanheceu repleto de cobertores.

    A cena incomum era resultado do aumento das doações após uma semana de frio recorde e do receio das equipes de limpeza em recolher o material depois do decreto da gestão Haddad (PT) que fixou as regras para abordagem dos moradores de rua.

    Às 21h de terça-feira (21), os relógios de rua marcam entre 13ºC e 15ºC, é hora do sanduíche, suco e café, distribuídos por uma das instituições religiosas que semanalmente oferecem comida à população de rua daquele local. Os meninos da 23 de Maio estão na esquina da rua Roberto Simonsen. Um deles está de bermuda e blusa de manga comprida, puxada sobre as mãos. Pegam o lanche, seguem para o Pateo do Collegio. Às 23h30 vai ter sopa.

    Enquanto esperam, vagam pela rua. Arredios, dois começam a brigar. Trocam socos. Nenhum adulto aparta. Seguem brigando. "Não se mete com isso que não é da sua conta", diz o maior, cerca de 14 anos, à reportagem. Meia hora depois, está mais acessível. "Sou de São Mateus, mas a gente vive ali em baixo na 23. Por que saí de casa? Porque quis", diz o menino, para logo em seguida se entreter com uma nova disputa com outro colega.

    Quem costuma passar à noite por ali diz que eles não se misturam. Vivem do que ganham e de pequenos furtos. "É cola", diz um morador do largo, referindo-se ao inalante que já foi mais comum entre os meninos de rua.
    Passa das 23h40, quando Letícia Barroso, 26, se arruma para voltar para casa, uma ocupação a poucos quarteirões dali. Ao lado da mãe, da irmã e com as duas filhas, leva algumas quentinhas de sopa. "Venho de terça e quinta", diz. "Só assim para ter comida todo dia."

    Tão comuns quanto os moradores de rua são os das ocupações. Uma maioria de crianças e mulheres empurrando carrinhos de bebê. Na quarta (22), quando o carro da Folha para na esquina, um sem número de crianças das ocupações –muitas vestidas ainda com o uniforme escolar da rede municipal– cerca a reportagem. "É cobertor, tio? Sopa?" Eles vêm com as mães de lugares como o antigo Cine Marrocos.

    De bem mais longe vem a desempregada Francisca Chagas, 37. Saiu no começo da noite da favela do Moinho, região da Barra Funda (zona oeste). Traz a responsabilidade de levar a comida para o resto da família.
    "Se vale a pena vir de longe?" Sentada no ponto de ônibus a mulher aperta a marmita contra o colo, balança uma vez a cabeça. É hora de voltar.

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