• Cotidiano

    Wednesday, 01-May-2024 06:05:24 -03

    Ação da PM e GCM com morte de estudante tem série de lacunas

    ARTUR RODRIGUES
    MARTHA ALVES
    DE SÃO PAULO

    29/06/2016 02h00

    Em um ação repleta de lacunas, a Polícia Militar e a Guarda Civil Municipal de São Caetano do Sul (Grande SP) perseguiram e mataram um universitário com um tiro na cabeça, na Vila Prudente, zona leste de SP.

    Estudante de tecnologia logística, Julio Cesar Alves Espinoza, 24, dirigia o Gol da família na volta para casa na madrugada de segunda (27), após, segundo familiares, ter trabalhado em um buffet na vizinha São Caetano do Sul.

    A perseguição, de acordo com relato policial, começou após o rapaz ter desobedecido uma ordem de parada, por volta das 3h. Familiares dizem que o jovem pode ter ficado com medo de ter o carro apreendido, já que o veículo era usado por todos na casa -o Gol tinha R$ 459 em multas vencidas. Ele já teria fugido da polícia em uma outra ocasião, dizem amigos.

    PMs dizem que o rapaz foi atingido após disparar em ao menos três momentos da fuga. Ele foi levado ao hospital, onde morreu nesta terça (28).

    O carro do estudante foi encontrado com ao menos 16 marcas de tiros. No entanto, ao menos 15 testemunhas ouvidas pela Folha no local da morte dizem ter ouvido mais de 40 disparos –no registro policial são especificados sete tiros de GCMs e oito de PMs.

    Rechaçada por amigos e familiares, a versão da PM diz que um revólver calibre 38 foi encontrado no colo dele, com três tiros deflagrados e três ainda íntegros. Os PMs dizem ter avistado "um clarão e estampidos vindos do interior do Gol" e apresentaram dois papelotes de pó branco, segundo eles achados no carro.

    A perseguição envolveu ao menos quatro carros da PM e um da GCM. Segundo o relato dos PMs, o rapaz furou bloqueio, trafegou na contramão e depois bateu na cancela de uma empresa, em frente à uma ocupação de sem-teto.

    "Quando o moleque parou, 'sentaram' ainda mais bala pra cima. Ainda chutaram a porta do carro, chutaram o moleque", diz um rapaz.

    Testemunhas dizem que carros da GCM de São Caetano foram os primeiros a chegar no local onde o carro do rapaz parou -já na cidade de São Paulo, fora da área de atuação da corporação. Afirmam ainda que os PMs recolheram cápsulas no chão e entraram em duas empresas, uma delas onde o carro do suspeito colidiu por último, que têm câmeras de monitoramento.

    Reprodução/Facebook
    Universitário Julio César Alves Espinoza é baleado em perseguição policial em SP
    Universitário Julio César Alves Espinoza, baleado durante perseguição policial na zona leste de SP

    Nesta terça (28), a reportagem ouviu a mesma explicação em ambas companhias: os equipamentos estavam quebrados ou não filmaram a ação de guardas e policiais.

    Outra lacuna é a demora da PM para informar a ocorrência. Foram quase duas horas até o caso chegar à delegacia.

    O ouvidor da Polícia, Julio Cesar Fernandes Neves, disse que chama a atenção a quantidade de tiros no carro. "É um caso que a gente fica chocado com tanto tiro. Trata-se de um universitário sem passagem pela polícia", afirmou. "A gente pleiteia sempre que [o suspeito] seja pego com vida", completou.

    O governo Geraldo Alckmin (PSDB) informou que investiga o caso e que policiais envolvidos foram afastados.

    A PM afirma que, em caso de fuga, a recomendação é o acompanhamento. Nessa situação, "não são recomendados disparos de arma de fogo, sendo incorreta também a prática de disparos contra o pneu do veículo [relatada no boletim de ocorrência]".

    "Apenas em condições específicas que os disparos são permitidos, sempre com o objetivo de cessar uma agressão, desde que não haja a possibilidade de colocar em risco a vida ou integridade física de terceiros", afirma a nota.

    A Prefeitura de São Caetano abriu apuração sobre a conduta dos agentes.

    -

    LACUNAS NO CASO

    • Os policiais relatam, em 3 momentos, diversos disparos vindos do carro; só 3 cartuchos da arma apresentada como sendo do estudante foram disparados
    • Há ao menos 16 orifícios no carro do estudante e vizinhos relatam ter ouvido mais de 40 disparos; ouvidor da polícia diz que quantidade de tiros é desproporcional
    • No registro do caso só são descritos 8 tiros de policiais e 7 de GCMs; não há especificação de quem fez os 16 disparos
    • Arma apresentada por um dos guardas como usada na ocorrência não tinha nenhum cartucho (íntegro, picotado ou deflagrado)
    • O universitário teria sido atingido na parte de trás da cabeça, mas não há perfuração visível no encosto do banco
    • A GCM de São Caetano atuou na ocorrência em São Paulo, o que não é atribuição dela
    • Testemunhas dizem que PMs foram até empresas próximas checar imagens de câmeras, o que normalmente é feito pela Polícia Civil; no dia seguinte, a Folha foi até os locais e foi informada que diversas câmeras não funcionam
    • Uma das policiais se apresentou na delegacia 1h40 min após o início da ocorrência; o DP fica a cerca de 1,5km do local
    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024