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    GCM que matou garoto de 11 anos diz ter levado tiro e que mirou em pneu

    DE SÃO PAULO

    30/06/2016 09h55

    O guarda-civil Caio Muratori, 43, que perseguiu e matou Waldik Gabriel Silva Chagas, 11, em Cidade Tiradentes (extremo leste de SP), no sábado (25), afirmou que não viu nenhum arma, apenas um clarão do seu lado e que atirou para acertar o pneu do carro.

    "Eu só vi o clarão do meu lado. Eu já estava com a minha arma em punho, porque facilita. Minha prioridade era imobilizar. Passávamos por uma rua com buracos e lombadas quando atiraram contra a nossa viatura. Efetuei o disparo com o intuito de acertar o pneu", disse Muratori em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo".

    No dia 25 de junho, Muratori e mais dois guardas municipais realizavam ronda em Cidade Tiradentes quando, pela versão do trio, motoqueiros se aproximaram e disseram ter sido assaltados por homens em um Chevette prata. Após a localização do carro, os guardas começaram a perseguição. Muratori disse à polícia que os ocupantes do veículo efetuaram disparos contra sua equipe, que em seguida revidou.

    Um dos tiros atingiu a nuca do garoto, que estava no banco de trás do Chevette. O carro foi abandonado pelos suspeitos, com Waldik ferido. Eles conseguiram fugir. "Nós não tínhamos como saber quantas pessoas estavam dentro daquele veículo. Não vi em momento algum que era uma criança. Foram quatro disparos. Todos mirando no pneu", disse Muratori.

    Segundo o guarda-civil, um dos dois disparos, que teriam sido dados do carro onde estava o menino, "acertou na porta atrás da minha". "Mas a perícia disse que foi pedra. Tenho certeza de que não foi", afirmou ele. "Saí de casa como policial exemplar, voltei com um alvará de soltura no bolso e uma declaração de fiança no meu nome", disse Muratori, que foi preso por suspeita de homicídio culposo (sem intenção) e, depois de pagar R$ 5.000 de fiança, foi liberado.

    Waldik Gabriel Silva Chagas

    Os dois adolescentes que estavam no carro com Waldik disseram à polícia que nenhum deles estava armado naquela noite e que, por isso, não houve confronto. Segundo policiais ouvidos pela Folha, ambos têm 14 anos. Foram localizados pela Polícia Civil na tarde de terça (28) e levados para prestar depoimento no DHPP (departamento de homicídios) –responsável pela investigação.

    Os investigadores dizem que os garotos já tinham passagens anteriores por furto e roubo. Teriam ficado internados na Fundação Casa recentemente por 40 dias e estavam em liberdade assistida. À polícia, eles admitiram que furtaram o Chevette, ano 1989, junto com Waldik –que seria, dizem os adolescentes, responsável pela abertura do veículo. O menino que morreu teria usado a ponta de uma tesoura para conseguir abrir o carro e fazer a ligação.

    Os dois meninos foram encaminhados para a Vara da Infância e Juventude para que a Justiça determine o futuro deles –se voltariam para a Fundação Casa ou se seriam entregues à família. Eles prestaram depoimento ao lado das mães.

    IRREGULAR

    A situação do trio de guardas-civis era irregular no momento da ação. Pelo decreto publicado em fevereiro deste ano pela gestão Fernando Haddad (PT), um guarda de posto mais alto do que os exercidos pelos três GCMs que estavam no carro deveria exercer a função de "encarregado de viatura".

    A regra municipal diz que isso é um atribuição de guarda de classe distinta. A esse profissional mais graduado cabe orientar e supervisionar as ações da unidade. No carro, na noite da morte de Waldik, estavam um GCM de classe especial (posto inferior ao de Classe Distinta), autor do disparo, e dois guardas de 3ª Classe, iniciantes na corporação.

    Aos de classe especial cabem, por exemplo, "exercer atividades de armeiro e de auxiliar de tráfego; atividade administrativa de auxiliar de patrimônio; orientar os servidores das demais categorias [3ª, 2ª e 1ª classes]", entre outras.

    A gestão Haddad diz que, apesar do decreto, esse tipo de substituição na equipe pode ocorrer e que os termos da regra podem ser revistos. A ação da GCM (Guarda Civil Metropolitana) que resultou na morte do menino foi repleta de falhas. Pelas regras da corporação, segundo a própria prefeitura, os guardas não deveriam nem mesmo ter começado a perseguição -apenas avisado a polícia.

    Especialistas em segurança também dizem que não se deve atirar em pneus na tentativa de parar um veículo em fuga, pois as balas podem ricochetear.

    EQUIPE DA GCM -

    CRÍTICAS

    A ação da GCM recebeu críticas do prefeito Fernando Haddad. Segundo ele, o protocolo não foi seguido e a abordagem foi equivocada. Desde 2008, diretriz da corporação estabelece que os guardas-civis não devem se envolver em perseguições a suspeitos. No caso de Cidade Tiradentes, os agentes deveriam ter avisado a Polícia Militar e ficado onde estavam.

    À GCM só é permitido agir em situação de flagrante. Se, nessa condição, os suspeitos escaparem, mais uma vez a orientação é acionar a PM. Após as críticas do prefeito, o sindicato da categoria publicou nota em que afirma que Haddad desconhece a atuação da corporação.

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