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    Playgrounds em parques públicos de SP escondem perigos às crianças

    FABRÍCIO LOBEL
    DE SÃO PAULO

    10/07/2016 02h00

    Pregos de cinco centímetros expostos, hastes de ferro escondidas no chão de terra e toras de madeira desgastadas com farpas pontiagudas.

    Não deveria, mas tudo isso pode ser facilmente encontrado em playgrounds públicos de São Paulo, em meio a brincadeiras de crianças de escalar, pular e correr.

    Na semana passada, que marcou o início das férias escolares, a reportagem percorreu cinco parques públicos (municipais e estaduais) em todas as regiões da cidade à procura de bons e maus exemplos de parquinhos.

    O percurso foi acompanhado pela coordenadora nacional da ONG Criança Segura, Gabriela Guida. A entidade se notabilizou pela campanha que ajudou a tornar obrigatória o uso de cadeirinhas para crianças nos carros.

    Gabriela aponta que, em alguns parques, o defeito dos brinquedos vem de fábrica. É o caso de playgrounds com peças espaçadas que podem causar o aprisionamento de pernas, braços ou até a cabeça de uma criança.

    Foi em um desses que Isabella, 4, se feriu em um final de semana de maio. A professora Raif Aziz, 42, mãe da menina, conta que ela escalava a escada de uma casinha de madeira em uma praça da zona norte. No topo do brinquedo, o pé da criança escorregou por um vão. Isabela caiu no buraco e ficou presa apenas pela cabeça.

    "Além de mim, não tinha nenhum adulto por perto. Uma outra criança veio me ajudar a tirar minha filha."

    Raif, que mora na Vila Sabrina, zona norte, conta que desde o acidente prefere levar os filhos a parques na região central e da zona oeste.

    "Eu tenho a impressão de que são mais bem cuidados do que na periferia", declara.

    Segundo diretriz da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), os espaços onde a criança possa prender a cabeça devem ser maiores que 23 cm ou menores que 12 cm. A diretriz, no entanto, é facultativa. E o problema é recorrente em vários playgrounds.

    No parque Ecológico do Tietê, na zona leste, o brinquedo construído com grandes tubulações de concreto apoiadas no chão forma uma fresta por onde as crianças se espremem para sair.

    "Eu acho perigoso. Vai que uma criança cai aí e fica presa", afirma Nicholas, 8.

    MANUTENÇÃO

    Além das falhas estruturais, os brinquedos de todos os parques visitados sofrem expostos ao sol e à chuva. São comuns os casos de parafusos e pregos expostos ou de troncos de madeira deteriorados.

    No Horto Florestal, na zona norte, um brinquedo e dois balanços estavam quebrados e inutilizados. Os equipamentos estavam fora do alcance de crianças ou com faixas de isolamento.

    Já no parque Buenos Aires, no centro, toras de madeira estavam degradadas e formavam farpas pontiagudas.

    Na última semana, o administrador Guilherme Augusto, 25, brincava com a sobrinha Manuela, 4, no parque da Água Branca.

    "Tento sempre estar por perto para garantir a segurança das crianças. Sempre procurando ver se o brinquedo está em boas condições", diz.

    O playground tinha brinquedos com buracos destampados e estrutura metálica sem tinta, o que poderia causar superaquecimento.

    No parque Ibirapuera, Eduardo Garcia, 50, aproveita os anos de experiência como arquiteto para inspecionar os brinquedos em que brinca com a filha, Laura, 6. Por ali, uma estrutura de balanços tinha parafusos faltando.

    "Procuro ter um olhar criterioso. Tem muitos brinquedos em que faltam parafusos. Aí ele começa a oscilar demais e você não sabe se a estrutura vai ceder, quebrar."

    A Secretaria do Verde do governo do Estado, responsável pelo parque da Água Branca e pelo Horto Florestal, disse que providenciará o reparo de falhas apontadas pela reportagem.

    O Departamento de Águas e Energia Elétrica, do governo estadual, responsável pelo parque Ecológico do Tietê, disse que os brinquedos do parque foram construídos em 1982 e que passam por vistorias a cada seis meses. A próxima vistoria deve ser concluída na próxima sexta-feira (15).

    A Prefeitura de São Paulo, responsável pelos parques Buenos Aires e Ibirapuera, diz seguir as normas da ABNT e que os equipamentos são trocados sempre que constatado algum tipo de problema.

    ARMADILHAS NO PARQUINHO

    REGULAMENTAÇÃO

    Diante da falta de segurança nos playgrounds no país e do alto índice de acidentes, o Ministério Público Federal entrou com uma ação na Justiça na qual pede que a fabricação desses brinquedos siga uma padronização nacional regulamentada pelo Inmetro.

    "A ação visa a garantir a segurança das crianças, já que, sem a regulamentação pelo Inmetro, os fabricantes não têm obrigação de seguir as normas já existentes", diz o Ministério Público, em nota.

    A Procuradoria quer que a regulamentação feita pelo Inmetro tenha como base as diretrizes criadas em 2012 pela ABNT. Ela estabelece, por exemplo, a altura de gangorras e o espaçamento correto entre diferentes peças e barras do playground.

    Segundo o Ministério Público Federal, em 2012 a Prefeitura de São Paulo enviou um ofício ao Inmetro no qual informa a precariedade dos produtos oferecidos no mercado e a dificuldade de adquirir brinquedos novos ou peças de reposição.

    A normatização é também o que pleiteia a ONG Criança Segura. "O que a gente percebe é que muitos acidentes poderiam ser evitados se a estrutura do brinquedo tivesse seguido um padrão de segurança desde a fabricação", diz Gabriela Guida, coordenadora nacional da ONG.

    "Entendemos que a criança vai cair e ter uns raladinhos, isso é até saudável para o desenvolvimento infantil. Porém, quando falamos de parquinhos seguros, estamos querendo evitar lesões graves como traumatismo craniano ou até a morte", explica Gabriela, da Criança Segura.

    Em 2014, o Inmetro chegou a abrir uma consulta pública sobre o regulamento técnico da qualidade de brinquedos, o que inclui playgrounds.

    Mas, desde então, nada avançou. O Inmetro alega que constatou que "grande parte do problema nos brinquedos de playground está na falta de manutenção, na instalação inadequada e na falta de supervisão".

    Para o instituto, uma normatização dos brinquedos aumentaria o "custo Brasil", tornando mais caro o produto para a sociedade, e não atacaria o cerne do problema.

    TRAGÉDIAS

    Segundo o Ministério da Saúde, entre 2008 e 2013, 3.623 crianças foram internadas em hospitais públicos do Brasil por acidentes ocorridos em parquinhos infantis.

    No mesmo período, foram 37 mortes. Apenas em 2015, foram 575 casos. Em fevereiro, a cidade de São José do Rio Preto teve dois casos graves em apenas uma semana. Uma das crianças, de 7 anos, sofreu traumatismo craniano. A outra perdeu parte do couro cabeludo.

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