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    Lobby e ação judicial travam novas medidas antifumo, 20 anos após lei

    ANGELA PINHO
    DE SÃO PAULO

    09/07/2016 16h00

    Exatos 20 anos após a aprovação da lei que representou um marco no controle do fumo no Brasil, o lobby do setor e uma briga judicial travam a adoção de novas medidas de combate ao tabagismo.

    A lei sancionada em julho de 1996 proibiu fumo em ambientes fechados, com exceção de áreas segregadas, e restringiu a propaganda em rádio e TV ao período das 21h às 6h, entre outras medidas.

    "Ainda hoje a legislação de controle do tabaco gira muito em torno dessa norma", diz Tânia Cavalcante, secretária-executiva da comissão do governo que implementa tratado internacional sobre o tema.

    A lei de 1996 abriu caminho para apertar o cerco ao fumo. Em 2000, comerciais do produto em qualquer horário foram vetados. No ano seguinte, a exibição de imagens de advertência nos maços se tornou obrigatória. Posteriormente, o país baniu totalmente o cigarro de locais públicos.

    Como resultado, o número de fumantes caiu –de 35%, em 1989, para 15% em 2013, segundo o IBGE– e o Brasil tornou-se referência internacional no tema.

    Disputas recentes no Executivo, Congresso e Judiciário, porém, ameaçam agora esse reconhecimento. "Em alguns aspectos, outros países estão superando o Brasil", diz Paula Johns, da Aliança de Controle do Tabagismo.

    TABAGISMO NO BRASIL - Índice de fumantes caiu desde o final da década de 1980

    Editoria de Arte/Folhapress
    Tabagismo

    DISPUTAS

    Uma das propostas que o lobby do fumo combate no Congresso é a da adoção de maços genéricos de cigarro, só com o nome da marca grafado com fonte padronizada.

    Defendida pela Organização Mundial da Saúde, a medida foi adotada pela Austrália em 2012 e replicada por países como França e Reino Unido. O argumento é que o design do pacote serve como uma propaganda disfarçada.

    Projetos de lei com essa proposta tramitam sob a oposição de empresas do setor e de municípios produtores de tabaco, principalmente do Sul do país. Na Câmara, o relator é o deputado gaúcho Renato Molling (PP). Ele já adiantou que seu parecer, na Comissão de Desenvolvimento Econômico, será contra o projeto.

    "Vai incentivar o contrabando e fere o direito da marca de se apresentar", diz. Mesmo argumento é utilizado pela Associação Brasileira da Indústria do Fumo (leia pág. B7).

    A livre exposição dos maços no comércio é outro item da pauta antifumo em disputa –por enquanto, com vitória da indústria tabagista. A proibição é adotada em países como a Noruega.

    Sua implantação no Brasil chegou a ser debatida pelo governo federal há dois anos, durante a regulamentação da lei que proibiu o fumo em ambientes fechados no país todo. "Estava numa resolução que foi escamoteada por interesses", diz o sanitarista e ex-ministro da Saúde Agenor Álvares, que participou do debate sobre o tema como diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

    Segundo ele, a área da saúde foi voto vencido. "Ficou um bom decreto, mas, nesse quesito, não avançou."

    A medida é defendida pela responsável pelo tratado de controle do fumo no Brasil. "Cigarro não é bala nem chiclete. Tem que ficar sob o balcão", diz Tânia Cavalcante.

    Ela também espera a solução de outra disputa com o setor de tabaco: a liberação de cigarros com sabor. Uma resolução da Anvisa chegou a proibir os produtos, sob o argumento de que eles estimulavam a iniciação ao cigarro. Empresas afirmaram, entre outros pontos, que a norma inviabilizaria a produção de qualquer tipo de cigarro.

    Assim como a Confederação Nacional da Indústria, acionaram a Justiça. A regra foi suspensa por liminar no STF, sem decisão há três anos.

    DISCUSSÃO INTERNA

    O Ministério da Saúde afirma, em nota, que a adoção do maço genérico de cigarros é tema de uma "discussão interna do governo federal" desde o dia 31 de maio, Dia Mundial sem Tabaco.

    A pasta diz ainda que acompanha a ação no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre cigarros com sabor.

    A nota ressalta que o aumento da tributação do cigarro em 2011 desestimulou o fumo e afirma que o ministro Ricardo Barros apresentou proposta para os países do Mercosul ratificarem protocolo de combate ao comércio ilegal de tabaco.

    Também em nota à reportagem, a Abifumo (Associação Brasileira da Indústria do Fumo) classificou como inconstitucionais e ineficazes a adoção de maços genéricos, a proibição da exposição dos produtos no comércio e o veto a cigarros sem sabor.

    Especificamente em relação às propostas de mudança nas embalagens, diz que a prática favorecerá o contrabando, "gerando perdas para a cadeia produtiva do tabaco, fabricantes, varejistas, queda na arrecadação de tributos e aumento do desemprego e criminalidade".

    Afirma ainda que a medida aumentou o contrabando na Austrália sem reduzir o número de fumantes.

    Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), isso não é verdade. Publicação da entidade sobre o tema cita estudo australiano segundo o qual esta medida foi responsável por reduzir sozinha a prevalência do fumo no país em 0,55 ponto percentual no período de três anos. "Espera-se um aumento nesse efeito ao longo do tempo", diz a organização.

    'MARGINALIZADA'

    "Quando vejo filme antigo, dá a maior vontade de fumar, porque era glamoroso. Hoje me sinto marginalizada", diz a dentista Márcia Sampaio, 58.

    Fumante há 21 anos, ela é testemunha de uma época –não muito distante– em que boa parte da sociedade via o hábito de outra forma. Que o diga a diretora de marketing Alessandra Mattavelli, primeira multada pela fiscalização antifumo instituída em São Paulo em 1995, um ano antes da lei nacional.

    "Numa cidade de 15 milhões, é uma honra ser a primeira", afirmou à Folha naquela data, aos 23 anos.

    Hoje, sua honra, diz, é ter parado de fumar, incentivada pelos filhos e pela prática de esportes.

    O advogado Percival Maricato, 72, também acompanhou a mudança, mas mantém sua opinião.

    Em 1996, presidia a Associação de Bares e Restaurantes Diferenciados de SP. Quando a lei sobre o fumo foi aprovada, previu: o movimento em bares cairia 20%, e milhares de empregos seriam cortados.

    Hoje, diz, é "difícil calcular" esse impacto, embora ainda acredite nele.

    "Mas estamos na época do politicamente correto, nem adianta argumentar", afirma, resignado.

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