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    Investigação aponta fraude em compra de material para cirurgia no HC

    SIDNEY GONÇALVES DO CARMO
    THIAGO AMÂNCIO
    DE SÃO PAULO

    18/07/2016 11h17 - Atualizado às 17h41

    Eduardo Knapp/Folhapress
    Sao Paulo, SP, BRASIL, 11-04-2014 14h41:***especial FOLHA*** 70 anos do Hospital das Clinicas. Rua Eneas de Carvalho Aguirar que corta o complexo das instalacoes do Hospital das Clinicar passara por obra de revitalizacao (Foto Eduardo Knapp/Folhapress.COTIDIANO)
    Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde PF apura fraudes

    A Polícia Federal realizou na manhã desta segunda-feira (18) uma operação conjunta com o Ministério Público Federal em São Paulo para desarticular um esquema de desvio de recursos públicos na compra de equipamentos para implante em pacientes com o mal de Parkinson.

    As fraudes, apontam as investigações, aconteciam no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, mantido pelo governo Alckmin (PSDB). O prejuízo aos cofres públicos, de acordo com a polícia, pode chegar a até R$ 18 milhões.

    De acordo com as investigações do Núcleo de Combate à Corrupção e Improbidade Administrativa, pacientes com mal de Parkinson eram orientados por um neurocirurgião e um diretor do hospital a procurarem a Justiça para conseguirem marcapassos cerebrais.

    Com decisões judiciais, o hospital adquiria equipamentos sem a necessidade de licitação, que custavam cerca de quatro vezes mais que o preço real.

    Foram alvos de condução coercitiva (quando o investigado é levado para depor e depois liberado) o diretor administrativo do setor de neurocirurgia do hospital, Waldomiro Pazin, o médico cirurgião Erich Fonoff –responsável por 75% das cirurgias investigadas–, Vitor Dabbah, dono da empresa Dabasons, responsável por importar os equipamentos, e Sandra Ferraz, funcionária da empresa.

    Os beneficiados com as decisões tinham quadros semelhantes ou até menos graves que outras pessoas que estavam na fila para conseguir o marcapasso, segundo as investigações.

    O esquema funcionou entre 2009 e 2014, quando foram realizadas, com ordem judicial, 154 cirurgias de implante para tratamento de Parkinson com recursos do SUS (Sistema Único de Saúde). Neste período, não houve licitação para compra de marcapassos e 82 pessoas não conseguiram operar de maneira regular.

    Segundo o Ministério Público Federal, cada marcapasso, que deveria custar cerca de R$ 27 mil com licitação, saía a R$ 117 mil sem o certame, mais de quatro vezes mais. Com as 154 cirurgias, o prejuízo para o SUS passa dos R$ 13 milhões.

    Para a Polícia Federal, o dano aos cofres públicos pode chegar aos R$ 18 milhões com a realização de cerca de 200 cirurgias que estão sendo apuradas.

    MANDADOS

    Batizada de Dopamina, a operação cumpriu 11 mandados de busca e apreensão em vários locais de São Paulo, entre eles o Hospital das Clínicas, e quatro mandados de condução coercitiva. A Procuradoria havia pedido a prisão temporária dos quatro investigados, mas a restrição de liberdade foi substituída por condução coercitiva pelo juiz.

    FRAUDES NO HC
    Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde PF apura fraudes

    Segundo as investigações, Erich Fonoff recebia notas fiscais da empresa por prestação de serviços, que podem indicar o recebimento de propina. Além disso, era ele o responsável por emitir laudos anexados aos processos que iam para decisão dos juízes.

    Os pacientes eram orientados a procurar a Justiça em suas cidades ou Estados natais, segundo a procuradora da República Thaméa Danelon, responsável pela operação, "porque seria um modo de não concentrar tudo no Estado de São Paulo, para não ficar muito à vista."

    Segundo a polícia, se todas as compras fossem feitas com licitação e sem o sobrepreço, poderiam ter sido feitas 600 cirurgias em vez de pouco mais de 150. "Com os valores desviados, poderiam ter sido adquiridos mais de 400 kits de marcapassos e eletrodos. Sem os atos de corrupção investigados, muito mais gente poderia ter sido operada", afirma Danelon.

    Não há indícios de que os beneficiados pelas cirurgias soubessem das fraudes.

    Segundo o delegado Milton Fornazari Junior, chefe da Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros em SP, da Polícia Federal, as irregularidades só cessaram em 2014 porque uma empresa americana que fornecia os materiais detectou a irregularidade.

    'MUITO MAIS GANANCIOSOS'

    Na visão da procuradora Danelon, as fraudes chamam atenção pela ganância dos envolvidos.

    "Embora não seja um valor tão expressivo, comparando-se com a Lava Jato, os valores estão em torno de R$ 13 milhões, mas em termos do valor que era superfaturado, eles foram muito mais gananciosos. Por exemplo, na Lava Jato, o valor do superfaturamento era em torno de 30%. Nesse caso, constata-se que está em torno de 300%", diz a procuradora.

    "A corrupção que ocorreu no âmbito da saúde, que é considerada uma das corrupções mais graves, por conta das consequências que afetam pessoas que estão em extrema vulnerabilidade, dependendo do Sistema Único de Saúde e são preteridas por conta da corrupção."

    A Operação Dopamina tem esse nome em referência à disfunção do neurotransmissor dopamina, cuja deficiência está relacionada ao mal de Parkinson.

    OUTRO LADO

    Em nota, o Hospital das Clínicas informou que colabora com as investigações desde fevereiro e que entregou todos os documentos e forneceu todas as informações solicitadas. O hospital diz que o MPF pediu sigilo sobre o caso, e que abrirá apuração das possíveis irregularidades.

    O advogado do diretor administrativo Waldomiro Pazin, Paulo Azevedo Marques, afirmou que só vai se pronunciar após ter acesso aos detalhes da investigação.

    A defesa do neurocirurgião Erich Fonoff afirma que ele "mantém relacionamento técnico e científico com diversas empresas do segmento neurocirúrgico", mas que, "como médico cirurgião, ele nunca deteve poder para influenciar o processo de compra de equipamentos no Hospital das Clínicas."

    A defesa da Dabasons disse que "a empresa não vende produtos superfaturados nem para o SUS nem para qualquer outro órgão público", e que aguarda o acesso ao conteúdo das investigações para realizar uma sindicância interna.

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