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    Análise

    Definir uma cor da pele beira o impossível

    FÁBIO TAKAHASHI
    EDITOR-ADJUNTO DE "TREINAMENTO"

    03/08/2016 17h17

    Qual é a sua raça? Ao tentar responder a essa pergunta, é grande a chance de você errar.

    Estudos genéticos mostram que as pessoas, especialmente num país miscigenado como o Brasil, carregam mistura de ancestralidade muito maior do que a aparência demonstra.

    Essa característica torna difícil a aplicação da medida tomada pelo governo Temer de criar comissões para checar a autodeclaração de candidatos a vagas para cotistas em empregos públicos. Segundo lei federal, negros têm vagas reservadas nessas disputas.

    Há três anos, em meio à discussão sobre cotas raciais nas universidades, a Folha encomendou teste genético de 12 estudantes pré-vestibulares de baixa renda, moradores de São Paulo.

    Célia da Silva, 21 anos à época, se declarou "muito preta". O teste apontou que menos de 10% dos seus genes são de origem africana; 73% vêm da Europa.

    Milene da Costa, então com 17 anos, loira, disse ser "muito branca", mas 37% do seus genes vêm da África, contra 11% da Europa, segundo análise feita pela Clínica Gene, de Belo Horizonte.

    Testes similares, feitos a pedido de outros veículos de comunicação, mostraram a mesma dificuldade de se enquadrar as pessoas segundo a cor da pele. Será essa dificuldade que as comissões de checagem de autodeclaração enfrentarão rotineiramente.

    A UnB viveu o problema na década passada. Comissão que definia quem podia concorrer pelo sistema de cotas deu pareceres diferentes para irmãos gêmeos. A seleção era feita pela análise de fotos dos estudantes. O sistema foi paulatinamente alterado, até chegar ao modelo atual, de autodeclaração, também seguindo lei federal.

    Com a dificuldade de se checar a veracidade da autodeclaração, o que pode ser feito?

    Um caminho é desistir da política em si, considerando que os desvios são mais fortes que os benefícios. No caso das cotas raciais em concursos públicos, é necessária alteração na legislação.

    Também é possível substituir a cota racial pela social, ou seja, com benefício para pessoas de baixa renda, sem considerar o fenótipo. A checagem de informações socioeconômicas é mais precisa do que o fenótipo. Mas há pesquisadores que entendem que a cota social beneficia primeiramente brancos de baixa renda, deixando em segundo plano os negros de baixa renda.

    Outro caminho é considerar que pode haver fraudes, mas elas ocorrem em escala tão reduzida que vale seguir em frente, considerando que o benefício da iniciativa é significativamente maior.

    O dilema foi vivido por idealizadores do Bolsa Família. Os beneficiários da iniciativa poderiam fraudar renda e demais condições socioeconômicas para receber o dinheiro federal. Os gestores decidiram apostar e foram adiante com o programa.

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