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    Após assaltos, interior de SP tenta afastar transportadoras de valores

    MARCELO TOLEDO
    DE RIBEIRÃO PRETO

    05/08/2016 02h00

    A aposentada Janice de Oliveira Marques diz que nunca mais vai se esquecer da madrugada de 5 de julho, quando mais de mil tiros foram disparados perto de sua casa no mega-assalto à transportadora de valores Prosegur, que terminou com dois mortos em Ribeirão Preto (interior de SP).

    Mais do que se lembrar da noite de terror, moradores e órgãos públicos de cidades alvos de ataques estão se mobilizando para tentar retirar empresas de transporte de valores de bairros residenciais.

    Nos últimos oito meses, além de Ribeirão, Campinas e Santos sofreram mega-assaltos que resultaram em pelo menos R$ 135 milhões roubados, além de cinco mortes e quatro pessoas feridas.

    MEGA-ASSALTO EM RIBEIRÃO-PRETO
    Quadrilha assalta transportadora de valores

    Em Ribeirão, cujo assalto completa um mês nesta sexta-feira (5), a Promotoria decidiu investigar, na área cível, a legalidade da instalação das empresas na zona urbana. Um dos focos é saber os critérios usados para a liberação de alvarás para elas.

    "Foi uma noite de terror. Parecia que não ia acabar mais", disse a aposentada. O caso também é acompanhado pelo promotor criminal Naul Luiz Felca, que prega a necessidade de estudos de impacto de vizinhança para implantar as bases operacionais.

    Há ao menos 34 bases de grandes empresas de transporte de valores instaladas no Estado, 26 delas no interior e no litoral. Em Campinas há quatro bases e, em Bauru, Ribeirão Preto, Santos, São José do Rio Preto e São José dos Campos, três cada uma.

    TRANSPORTE DE VALORES - Seis cidades do interior de SP têm ao menos três empresas do setor*

    A ABTV (Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Valores) afirma que a saída das bases dos locais em que estão só transferirá esse problema de lugar (leia mais abaixo).

    "Pode construir um bunker, um forte, que não vai resistir ao impacto das armas e dos explosivos usados nos ataques", afirma Marcos Emanuel Torres de Paiva, presidente da associação.

    Em Campinas, cidade onde houve dois grandes ataques, a assistente social Ivone Crescêncio da Silva Mendonça diz não ter uma noite tranquila de sono desde março, quando a Protege, próxima à sua casa, no bairro São Bernardo, foi assaltada.

    Ladrões fecharam um perímetro de seis quadras no entorno da empresa, deixando a dela casa dentro da área bloqueada. "A gente não podia sair na rua. A todo momento era rajada de tiros que a gente achava que iam entrar pelas paredes. Tem gente que até hoje toma medicação", disse.

    Ela e vizinhos de outro bairro, que em novembro já tinham presenciado um mega-assalto à Prosegur, criaram um grupo para pedir a saída das empresas de segurança das áreas residenciais.

    "Estamos fazendo todo tipo de provocação para que as empresas saiam. Em junho, em dias de festas de são João e santo Antônio, vizinhos ficaram apavorados com os fogos. Essas empresas se tornaram uma ameaça às nossas vidas", afirma.

    Mega Assaltos em SP

    Após reunião com moradores, a comissão de segurança da Câmara pediu à prefeitura a criação de um grupo para discutir esse tema. A proposta está encaminhada dentro da administração, mas houve questionamentos jurídicos.

    "As casas estão rachadas, há locais com vidros quebrados até hoje e ninguém se preocupa com isso", afirma a assistente social.

    Segundo a Secretaria da Segurança Pública, foram presos três ladrões do roubo em Ribeirão. Uma quarta pessoa, ex-funcionário da Prosegur, foi detida na terça-feira (2) sob a suspeita de ser informante da quadrilha.

    A Prosegur informou ter todos os alvarás obrigatórios e exigidos –Polícia Federal, prefeitura e bombeiros– para operar sua base em Ribeirão e disse ser vítima do ato criminoso ocorrido no local.

    COMBATE AO ARMAMENTO PESADO

    Transferir as empresas de transporte de valores dos locais em que estão só significará mudar o problema de lugar, na avaliação da ABTV (Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Valores).

    Para Marcos Emanuel Torres de Paiva, presidente da associação, o principal problema enfrentado pelas empresas não é a guarda do dinheiro, mas as armas usadas pelos criminosos, capazes de derrubar aeronaves.
    A solução, segundo ele, também não passa pela ampliação do poder de fogo utilizado pelos vigilantes, mas sim por um melhor controle das fronteiras do país.

    "Os ladrões migram para onde está o dinheiro. Antes, eram as agências bancárias e, agora, as transportadoras. Se tirar a empresa do centro da cidade, não vai adiantar muita coisa", disse Paiva.

    Em um ataque em abril a um carro-forte na rodovia Anhanguera, em Luiz Antônio (SP), tiros atravessaram os dois lados da blindagem do veículo. Sem ter o que fazer, os vigias se renderam, enquanto os assaltantes, que travaram a rodovia, contavam o dinheiro.

    Conforme o presidente da ABTV, as empresas têm estrutura para resistir a ataques de até meia hora, o necessário, segundo ele, para que o local possa ter um seguro.

    "Mas [em Ribeirão] foi tanto tempo de demora que os ladrões estavam tranquilos. A saída da zona urbana dá mais tempo ainda a eles. Colocar uma empresa dessas aonde? Vai ficar sozinha no ermo, para aguentar esses tiros todinhos?", questionou.

    Assalto em Ribeirão Preto

    Para Paiva, a fiscalização das fronteiras é a principal forma de evitar a entrada de armas ilegais no país. "Precisamos impedir que essas armas cheguem. A solução não é armar o vigilante, é desarmar o bandido."

    Questionado por dois dias sobre medidas tomadas para coibir a entrada de armamento clandestino no país e sobre as afirmações de Paiva, o Ministério da Justiça não comentou o assunto.

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