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    Haddad diz que desconhecia ação da polícia na cracolândia, em SP

    LEANDRO MACHADO
    DE SÃO PAULO

    05/08/2016 13h12 - Atualizado às 00h16

    O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), afirmou que desconhecia a operação da Polícia Civil contra o tráfico de drogas na cracolândia até o início da manhã desta sexta-feira (5), quando a ação já estava ocorrendo.

    A operação foi feita em meio a um clima de desconfiança mútua entre a prefeitura e a polícia, do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

    Segundo a Folha apurou, investigadores suspeitam que servidores da prefeitura têm relação próxima com líderes do MSTS (Movimento Sem Teto de São Paulo), que ocupa o prédio do antigo Cine Marrocos e foi alvo da operação contra o tráfico de drogas.

    Por outro lado, o MSTS já foi criticado por petistas e por outros movimentos sem-teto por cobrar de moradores e por já ter apoiado candidatos do PSDB para deputado e para presidente da República.

    Haddad vinha criticando o MSTS desde 2013, quando o movimento voltou a invadir o Cine Marrocos. Nesta sexta, afirmou: "Ali tem gente do mal, que usa o Marrocos para ganhar dinheiro. Famílias são usadas por pessoas que não têm nada a ver com moradia e sim com o tráfico".

    A reportagem tentou entrar em contato com a defesa do movimento ao longo do dia, mas não obteve resposta.

    O petista disse também que havia alertado a polícia sobre o tráfico de drogas no hotel em que a operação classificou como "quartel general" da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). O hotel, localizado na rua Dino Bueno no número 135, diz Haddad, já havia sido descredenciado do programa Braços Abertos há alguns meses, quando a prefeitura descobriu que quartos do local eram usados como pontos de venda da droga.

    Haddad lembrou ainda que havia um mandado da Justiça de reintegração de posse do prédio, expedido em junho deste ano, e que, agora, espera que seja cumprido.

    Inaugurado em 1952, o Cine Marrocos foi um dos cinemas mais luxuosos da capital paulista. Com o cinema desativado há décadas, o imóvel foi comprado pela prefeitura para abrigar a Secretaria Municipal de Educação, porém o prédio foi invadido em 2013 pelo MSTS e, desde então, acumula uma série de polêmicas.

    Segundo os moradores, a maioria composta por imigrantes haitianos, bolivianos e peruanos, o local cobra cerca de R$ 200 por mês como uma espécie de "taxa de condomínio", conforme revelou a Folha em outubro.

    OUTRAS OPERAÇÕES

    A cracolândia já foi alvo de uma série de operações das gestões Haddad e Alckmin nos últimos anos, mas que não conseguiram impedir a concentração de viciados e a presença do tráfico.

    Sem articulação entre Estado e prefeitura, a última grande operação, em abril de 2015, transformou o centro em praça de guerra e deixou dois usuários e um PM ferido.

    Na região, Alckmin e Haddad desenvolvem programas diferentes para viciados.

    O Braços Abertos, criado em 2014 pelo petista, é baseado na redução de danos. O dependente é incentivado, pela oferta de emprego e renda, a diminuir o uso de drogas, sem internação. O Recomeço, instituído por Alckmin em 2013, trabalha a saída do vício com tratamentos que incluem isolamento em comunidades terapêuticas.

    A Folha apurou que a polícia também tornou a operação sigilosa nesta sexta pois temia que funcionários do Braços Abertos deixassem vazar a operação. Com isso, traficantes poderiam fugir. Por sua vez, a gestão petista temia que eventuais abusos policiais poderiam prejudicar o trabalho do programa.

    O prefeito Haddad costuma dizer que, sem o combate ao tráfico, programas como Braços Abertos, da prefeitura, e Recomeço, do Estado, não conseguiriam progredir na região. "Nosso foco é teto, trabalho e tratamento. O Braços Abertos é um trabalho de redução de danos. Combate ao tráfico é papel do governo do estado", disse.

    As Leis da Invasão

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    Movimento é criticado por outros sem-teto

    O MSTS (Movimento Sem-teto de São Paulo), alvo de operação policial contra o tráfico na região central, coleciona críticas de outros movimentos sociais de moradia da capital paulista.

    Grupos que ocupam prédios no centro e terrenos na periferia dizem que líderes do MSTS têm objetivos financeiros, e que a sigla não se "engaja" para conseguir moradias definitivas para quem vive em suas ocupações.

    No Cine Marrocos, prédio municipal ocupado pelo grupo em 2013, os moradores pagam cerca de R$ 200 para viver no local. Em ocupações de outros grupos no centro, também são cobradas "taxas de manutenção", mas os valores costumam ser menores.

    Os elevadores manuais do antigo cinema são operados por ascensoristas, há câmeras de vigilância e uma cozinha que serve até 80 refeições diárias de forma gratuita.

    O movimento já se aliou a um empresário para abrir um estacionamento na ocupação. Depois, foi desativado. Em meio a centenas de famílias, também já ocorreram festas alternativas, como a Mamba Negra e a Voodoohop.

    Os ingressos eram trocados por alimentos, que depois eram revertidos aos moradores do local, segundo os organizadores dos eventos.

    Os líderes do MSTS, alguns deles presos suspeitos de tráfico de drogas, não costumam participar de encontros periódicos de movimentos de moradia do centro da capital, de acordo com integrantes de outros grupos sem-teto.

    O MSTS também não se inscreveu em um edital do Minha Casa, Minha Vida Entidades, em 2015, que reverteria a movimentos de moradia verbas federais para a construção de 12 mil habitações.

    Por outro lado, funcionários da gestão Haddad já encaminharam famílias pobres para a ocupação, em 2014. Duas servidoras indicavam sem-teto à invasão, com ofícios da prefeitura.

    Outro movimento, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-teto), divulgou uma nota afirmando não ter relação com o grupo alvo da operação policial. "O fato de alguns poucos grupos utilizarem o movimento como forma oportunista para ganhos pessoais não autoriza qualquer generalização indevida [contra os sem-teto]", diz a nota.

    A Folha não obteve resposta de membros do MSTS para comentar a operação policial. (Leandro Machado)

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