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    Depoimento

    'Fiquei prisioneira por tempo demais', diz mulher que fez 15 BOs

    JULIANA GRAGNANI
    DE SÃO PAULO

    07/08/2016 02h00

    Raul Spinassé/Folhapress
    SALVADOR, BA, 02.08.2016: Retrato de Mara Andrade, 44, que diz viver com medo. Seu ex-marido já violou pelo menos 15 vezes a medida protetiva que tem contra ele, conseguida via Lei Maria da Penha. (Foto: Raul Spinassé/Folhapress, COTIDIANO ) ***EXCLUSIVO FOLHA***
    Mara Andrade, 44, que diz viver com medo. Seu ex-marido já violou pelo menos 15 vezes a medida protetiva que tem contra ele, conseguida via Lei Maria da Penha

    "Topa ser fotografada?". "Sim", responde a dona de casa Mara Andrade, 44. "Fiquei prisioneira por tempo demais. Muita mulher deve estar passando por tudo o que passei ou pior. Quero mostrar o rosto."

    Estar "protegida" pela Lei Maria da Penha, para Mara, não é bem assim: ela já registrou 15 BOs (boletins de ocorrência) denunciando quando o ex-marido descumpriu a medida que deveria protegê-la contra ele. "Ele ronda a casa", diz ela, que vive em Salvador.

    *

    Começamos a morar juntos em janeiro de 1995. Na época eu tinha 22 anos e ele, 19. Em 2011, uma mulher ligou na minha casa dizendo que era namorada dele e que tinha dois filhos com ele.

    Não dava para seguir em frente. Ficamos até o início de 2012 dialogando. Ele não aceitava separar numa boa. Foi aí que ele ficou bastante agressivo. Não aceitava o fim do relacionamento. Queria ficar sempre aqui. Dormia aqui e dormia na casa dela.

    Relação com o agressor - Em %

    Nesse tempo, fiquei sofrendo maus-tratos. Ele puxava meu cabelo, me xingava, rasgava minhas roupas. Socou meu rosto. Quebrou mais de um celular meu. Em abril de 2012, ele quebrou meu braço. Tudo isso na frente das crianças. Ele colocou duas câmeras em casa para me vigiar. Eu não conseguia fazer BO.

    Ele vinha de madrugada e abusava de mim sexualmente. Eu fiquei com medo durante muito tempo.

    Prestei a primeira queixa em 2013 e saiu a medida protetiva. Em 2014, eu consegui estender a medida.

    Mas ele nunca cumpriu. Ele não saía de casa e ficava com a minha chave. Eu tinha que entrar pela janela porque ele não quis me dar a minha. Em 2015, consegui estender de novo a medida protetiva.

    Quando eu saía de casa, ele trocava os cadeados. Eu tinha que procurar onde dormir porque não tinha chegado no horário definido por ele.

    Local da agressão - Em %

    Ele foi preso em flagrante três vezes, mas foi solto.

    Só consegui me livrar dele em abril deste ano, quando a Justiça o obrigou a sair de casa. Foi quando eu troquei o portão e coloquei grades nos portões e em uma janela. Paguei R$ 780 e ainda tenho que colocar em duas janelas que estão só com corrente.

    Na minha rua, todo mundo sabe. Durante a noite, ele ronda a casa e fica de pé em frente à minha porta. Eu e minha filha mais velha nos revezamos para dormir. A gente não dorme direito.

    Ele sempre me diz que a medida protetiva "é um papel" e que se a gente não sair de casa, vai tacar fogo com a gente dentro. "Eu disse a você que é só um papel, que isso não funciona. Não se preocupe que o que é seu tá guardado", ele me diz.

    A Ronda Maria da Penha me acompanha, já o viram aqui na porta. Quando ele vem, eu ligo 190 e ele sabe que vai demorar 20, 25 minutos. Ele xinga todo mundo e vai embora. Aí quando a polícia vem, ele já foi.

    Já fiz 15 boletins de ocorrência. Na delegacia, a mulher disse que não aguenta mais ver minha cara. Eu digo: 'pois é, enquanto eu estiver sofrendo agressão, é aqui mesmo que eu venho. Vou aprendendo a ter os meus direitos'.

    Eu não tenho para onde ir. Se tivesse para onde ir, já tinha ido. Enquanto Deus me der vida, eu vou falar.

    CIDADES QUE TÊM FISCALIZAÇÃO

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    MARIA DA PENHA

    O que é
    Criada em 2006, a Lei Maria da Penha estabelece que violência doméstica –física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral– é crime

    Medidas protetivas
    A lei prevê que a Justiça conceda medidas para garantir a proteção das vítimas, em até 48h após a notificação da agressão

    Algumas delas
    > Afastamento do lar
    > Limite de aproximação e proibição de contato com vítima, familiares e testemunhas
    > Proibição de presença em determinados locais
    > Restrição de visitas aos dependentes menores

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