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    Dois meses após decreto de Haddad, São Paulo é tomada por 'minifavelas'

    THIAGO AMÂNCIO
    PAULO GOMES
    DE SÃO PAULO

    18/08/2016 02h03 - Atualizado às 09h12

    No auge do frio paulistano, a prefeitura baixou uma regra para proteger os moradores de rua. A chamada "lei do frio" de Fernando Haddad (PT) determinou que servidores municipais não mais desmontassem barracas durante as madrugadas nem recolhessem itens pessoais deles, como papelão ou cobertores.

    Essa regra, porém, criou um efeito colateral. O que seria um refúgio temporário contra a onda de frio criou um cenário de minifavelas em diferentes pontos da cidade.

    Os moradores de rua, resistentes aos abrigos oferecidos pela prefeitura e sem ter mais que se preocupar com a remoção de seus pertences, passaram então a montar residência fixa em barracos em praças, embaixo de viadutos e em calçadas –não há dados sobre quantos existem na cidade.

    Um deles, na avenida 23 de Maio, tem até televisão, água "encanada" e uma espécie de "box" de banheiro. Um de seus moradores, Fábio Andrade da Silva, 34, conta que, quando chegou, os outros três moradores do local tinham basicamente cobertores e colchões, mas alertavam que, a qualquer momento, tudo poderia ser recolhido pelo "rapa" (agentes da prefeitura ou guardas-civis).

    Até que, há cerca de dois meses, uma assistente social passou distribuindo panfletos, orientando que agentes não poderiam mais recolher objetos como aqueles. "Aí a gente ficou despreocupado", diz Silva.

    Levaram para lá um sofá, uma estante e uma televisão, a qual ligaram na caixa de força dos postes que iluminam o viaduto e conseguiram conectá-la. A programação atual é a Olimpíada.

    As barracas não atrapalham a passagem de pedestres e, segundo Silva, a relação com a vizinhança é das melhores. Enquanto conversava com a reportagem, diversos passantes e até um motorista de ônibus os cumprimentaram. "É porque a gente não usa droga, só está aqui porque precisa", afirma.

    A "lei do frio" foi criada depois de críticas à GCM (Guarda Civil Metropolitana), por confiscar colchões e papelões em meio ao frio recorde na capital. Ao comentar o problema, Haddad falou em prevenir uma "favelização". Criticado, o prefeito se desculpou e anunciou a medida, que completa dois meses.

    A prefeitura diz que tem havido uma grande resistência ao cumprimento do decreto —agentes públicos estariam receosos da exposição em redes sociais por retirarem posses dos sem-teto. A gestão Haddad afirma ainda que há vagas disponíveis nos abrigos e que encoraja os moradores de rua a os utilizarem.

    Rita de Souza, 43, que mora em um barraco no Anhangabaú, no centro, é uma das que prefere as ruas. "[Nos abrigos] você tem que acordar às 5h, é um monte de maloqueiro que fica bebendo, isso quando você acha uma cama com lençol, porque todas têm muquirana [piolho]".

    Letícia Lemos, 19, que vive dessa forma com o marido e uma filha, concorda. "Pernoite a gente não faz em abrigo. Onde vamos deixar nossos móveis?", diz ela, que afirma buscar auxílio nos postos da prefeitura apenas quando tem que almoçar ou tomar banho. Ela diz que uma assistente social da prefeitura avisou nos últimos dias que vão voltar a recolher os pertences —a prefeitura não se posiciona a respeito.

    "Se eu pego uma coisa sua, eu roubei de você", diz Fábio Eduardo Ronejan, que mora nos arredores do terminal Amaral Gurgel. "Por que quando a prefeitura pega uma coisa minha não é roubo?", questiona.

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