• Cotidiano

    Wednesday, 01-May-2024 17:00:59 -03

    Tribunal acha de árvore que não cabe em escola a bar que vende ventilador

    ESTÊVÃO BERTONI
    DE SÃO PAULO

    23/08/2016 02h07

    A vencedora de um pregão para fornecer 89 mil ventiladores de parede para escolas paulistas informou como endereço de sua sede um prédio ocupado por um bar simples em Suzano (Grande São Paulo): o Point do Churrasco.

    O Tribunal de Contas do Estado de SP estranhou: a empresa em questão receberia R$ 25 milhões pelos equipamentos.

    Em outro contrato, os técnicos do órgão encasquetaram com a exigência de que a empresa entregasse 2.641 pés de árvore numa escola de São Luiz do Paraitinga (a 182 km da capital) cuja área só suporta metade das plantas.

    Reprodução
    Point do Churrasco, no município de Suzano (SP)
    Point do Churrasco, no município de Suzano (SP)

    Ficaram ainda cismados com a obrigação de as empresas serem capazes de fazer obra com elevador —apesar de o prédio a ser erguido no local não poder ser alto.

    As situações acima pareceram tão inusitadas para o TCE que foram mapeadas pelo órgão como exemplos de irregularidades em licitações do Estado ou de prefeituras paulistas desde a última década.

    Apenas em 2015, um em cada quatro editais analisados pelo tribunal após denúncias foram considerados irregulares. Outras 38% das reclamações foram classificadas como "parcialmente procedentes". Só 7% dos processos acabaram desconsiderados.

    O número de problemas identificados cresce se a análise for feita em contratos já firmados entre administrações públicas e empresas. Havia falhas em 45% dos 2.905 analisados no ano passado.

    Muitas vezes, as irregularidades em editais são encontradas quando o processo já se encontra na fase de contrato, de acordo com o TCE.

    O órgão não analisa todos os editais e contratos feitos pelo Estado ou pelas prefeituras, mas apenas os que são questionados por alguém.

    ÁRVORE ORNAMENTAL

    No caso de São Luiz do Paraitinga, o contrato para a construção de uma escola era de R$ 5 milhões. A exigência do fornecimento de 2.641 pés da "árvore ornamental" Senna multijuga, popularmente chamada de Cássia Aleluia, "implicava em superfaturamento de mais de R$ 200 mil", de acordo com o TCE.

    No mesmo contrato, firmado na última década pela FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), do governo do Estado, a exigência para que as empresas tivessem qualificação técnica para uma obra com elevador "subtraía a possibilidade de participação de diversos interessados", avalia o tribunal.

    Órgãos do patrimônio histórico já tinham impedido, na época do edital, a construção naquele local de um prédio alto. Por isso, segundo o TCE, ele não precisava de um "elevador com quatro paradas".

    Em outro caso, um contrato para a limpeza de fossas de 49 escolas na Grande São Paulo também causou estranheza. Primeiro, porque a empresa vencedora era de Campinas (a 93 km da capital) e não possuía nenhuma filial nas cidades onde teria de atuar.

    Segundo porque o volume de esgoto estimado para cada colégio, em alguns casos, aparecia com valor 600% superior ao usado como parâmetro no contrato anterior.

    Os técnicos também desconfiaram do fato de o dono da vencedora ter o mesmo sobrenome das concorrentes.

    Segundo Sérgio Ciqueira Rossi, secretário-diretor-presidente do TCE, os dois problemas mais frequentes em editais são exigências que restringem a participação de licitantes (e diminuem o universo de competitividade) e a criação de condições que acabem direcionando o certame para determinado segmento.

    "A determinação de correção no edital é feita no sentido pedagógico do 'faça direito'. Mas nós temos inúmeros casos em que mandamos corrigir, e a correção não é feita. O edital é repetido com os mesmos defeitos. Aí nós multamos e encaminhamos ao Ministério Público", afirma.

    Segundo a gestão Geraldo Alckmin (PSDB), os contratos citados, assinados entre 2009 e 2010, no governo passado, continuam em análise pelo TCE e "não podem ser considerados com irregularidades", porque ainda não houve decisão do órgão mesmo após os esclarecimentos.

    "Os contratos foram cumpridos com a prestação de serviços pelas empresas contratadas e encerrados. E as contas foram aprovadas", diz.

    Para o governo, afirmar que há irregularidades em 25% dos editais analisados pelo TCE "provoca distorção".

    "O universo no Estado é infinitamente maior. Só de janeiro a julho e apenas pela Bolsa Eletrônica de Compras [uma das cinco modalidades de aquisições públicas], foram feitas 33.407 compras."

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024