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    Em crise, setor imobiliário aposta agora em aluguel para baixa renda

    RAUL JUSTE LORES
    DE SÃO PAULO

    27/08/2016 02h05

    O Secovi, maior sindicato do setor imobiliário, vai propor estímulos à produção de moradia de aluguel para a baixa renda no Brasil, em tempos de paralisação da construção e poucos lançamentos exclusivos à alta renda.

    Uma proposta que será levada ao poder público copia um modelo do governo americano para distribuir vouchers (vales) aos locatários de baixa renda, como complemento do valor do aluguel, além do uso do financiamento do FGTS para a construção desses imóveis, como no Minha Casa, Minha Vida.

    A pauta será apresentada com um estudo do potencial do negócio na convenção anual do Secovi, que ocorre de sábado (27) a quarta (31).

    Com os cortes nos recursos aplicados no Minha Casa, a construção de unidades voltadas ao aluguel virou esperança do setor imobiliário.

    Para ser viável economicamente, depende de incentivos fiscais e créditos, além de novas permissões para construir em lugares onde há metro quadrado mais caro.

    "Durante muito tempo, famílias portuguesas construíam imóveis para alugar. Depois, o retorno do investimento caiu e essa oferta encolheu", afirma Luiz Fernando Gambi, diretor do Secovi.

    "Pelo preço dos aluguéis de barracos em favelas ou mesmo de quartos em cortiços, onde o valor do m² pode ser bastante caro, vemos que existe uma demanda reprimida de gente que quer alugar."

    Na terça (30), haverá palestra de Marc Jahr, ex-diretor do equivalente à Cohab de Nova York durante a gestão do prefeito Michael Bloomberg (leia texto nesta pág.). O órgão organizou parcerias público-privadas que construíram 53 mil unidades habitacionais, algumas em projetos arquitetônicos premiados, como o Via Verde, no Bronx.

    FLEXIBILIDADE

    A proposta do Secovi, chamada de LAR (locação acessível residencial), prevê apartamentos de um a dois dormitórios para famílias e pessoas com faixa de renda entre três e oito salários mínimos (R$ 2.640 a R$ 7.040).

    Segundo o estudo, há 2,8 milhões de famílias no Brasil que comprometem mais de 30% da renda com aluguel. Jovens, idosos e gente que mora sozinha poderia preferir a flexibilidade da locação.

    No modelo financeiro proposto, haveria aluguéis a partir de R$ 790, incluindo o condomínio, por 15 anos. Depois da locação, haveria a possibilidade de compra do imóvel pelo inquilino, podendo abater até 50% do valor do apartamento com o aluguel pago.

    Os incorporadores vão iniciar ofensiva em busca de estímulos para o financiamento das obras, alguns similares aos que financiam as empreiteiras que atuaram no Minha Casa Minha Vida.

    Também pedem igualdade com a tributação de compra e venda de imóveis —atualmente, taxada em 4%, enquanto o aluguel é de 15%.

    EM NOVA YORK

    Por quase sete anos, na gestão do prefeito Michael Bloomberg, Marc Jahr dirigiu o equivalente à Cohab novaiorquina, a Corporação de Desenvolvimento de Habitação de Nova York.

    Em parcerias público-privadas, financiou a construção de 53 mil unidades habitacionais e renovou os subsídios de 112 mil unidades que estavam por expirar. Dessas 165 mil, 70% foram de aluguel social.

    Em entrevista à Folha, ele detalhou o funcionamento do modelo americano. Segundo ele, em Nova York, "comprar um apartamento pode ser extraordinariamente caro, ou você tem muito capital ou se endivida muito". "Alugar é uma opção viável, 70% dos novaiorquinos alugam, de ricos a pobres."

    Leia abaixo trechos da entrevista.

    VOUCHERS

    Quem ganha abaixo de 50% da renda média da região ou está abaixo da linha da pobreza recebe vouchers para alugar.

    O incorporador inscreve seu empreendimento, que disponha de pelo menos 20% de unidades a serem alugadas por um preço acessível. O aluguel não pode exceder 30% da renda média anual na área.

    O governo federal emite créditos fiscais para habitação de baixa renda, mas é a administração local que distribui esses créditos, que o incorporador pode vender ou abater de seus impostos por 15 anos.

    25% da equipe da nossa agência cuida da fiscalização das propriedades e da manutenção. Contrato bem feito é fundamental.

    LOTERIA

    Temos uma loteria pública para sortear quem pode ocupar os apartamentos. As inscrições são on-line, para evitar favorecimentos.

    É um sistema refinado, com muitas checagens de informação, mas que ainda é pequeno pro tamanho das necessidades. Sempre há filas de mais para apartamentos de menos. Hoje em dia, boa parte dos projetos tem dois quartos, alguns de um, mas as famílias mudaram. O importante é manter a diversidade.

    SUCESSO ECONÔMICO

    Nova York tinha uma prefeitura falida nos anos 70, mas hoje é uma cidade muito rica. Houve uma decisão política de apostar muito na habitação como parte do nosso sucesso econômico. Investimos US$ 700 milhões por ano em subsídios.

    Independe do prefeito. Até [Rudolph] Giuliani, o prefeito mais conservador que tivemos, manteve esse orçamento. A virada aconteceu com o prefeito Ed Koch. O presidente Ronald Reagan cortou muito do orçamento para a habitação e Koch tomou a responsabilidade para si.

    ALTA DENSIDADE

    Nova York é apertada, não tem muito lugar onde construir. Nossa terra fica no ar. Temos que fazer edifícios mais altos. Houve um grande rezoneamento durante a gestão Bloomberg. Temos que criar habitação perto dos empregos e transporte público.

    Se não deixam você construir onde existe infraestrutura, você acaba construindo onde não tem, e todos pagamos por isso.

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