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    Fãs de trens ajudam a recuperar estações antigas no interior de SP

    MARCELO TOLEDO
    ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS

    04/09/2016 02h00

    Com recursos próprios, pagaram pedreiro para reparar a alvenaria de imóveis que já foram considerados podres. Os telhados e parte do madeiramento foram trocados. A própria marcenaria produziu novas portas e janelas. E, para resgatar as cores originais dos edifícios dos anos 20, alunos de arquitetura fizeram prospecções em paredes e acharam até sete camadas de tinta, a última de 28 anos.

    Uma associação composta por amantes de trens revitalizou em dois anos duas estações ferroviárias no interior de São Paulo, utilizando recursos obtidos em campanhas e com a venda de ingressos para passeios. Outras duas já tinham sido recuperadas havia cerca de dez anos.

    Com isso, as estações Anhumas e Tanquinho, em Campinas, foram entregues em agosto recuperando as características originais de 90 anos atrás. Elas integram uma linha turística ate Jaguariúna operada pela ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária) que recebe 100 mil passageiros por ano.

    As placas indicando a "sala das senhoras" ou a do chefe da estação estão lá, assim como objetos e a memória do auge ferroviário no interior, entre as últimas décadas do século 19 e as três primeiras do século passado.

    "O que nós conseguimos foi a doação das tintas, por um programa destinado para algum patrimônio histórico na cidade. Para isso se concretizar, era necessário um padrinho conhecido para fazer o marketing, e a dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó aceitou", disse Helio Gazetta Filho, diretor administrativo da regional Campinas da ABPF.

    Ainda assim, era preciso mão de obra para pintar, e a entidade trocou uma cota de ingressos com uma empresa.

    "Nos 39 anos da associação fazíamos remendos, paliativos, corria lá, corria aqui, mas não conseguíamos fazer alguma coisa concreta, até agora. Somos um país sem memória, estamos num lugar importantíssimo para São Paulo e a história do Brasil e queremos mostrar que há uma associação preocupada em ter esse patrimônio salvo", disse Vanderlei Alves da Silva, gerente geral da ABPF Campinas.

    As estações pertenceram à Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e eram usadas para recolher café de propriedades rurais dos antigos barões. Foram construídas perto da crise cafeeira, ocorrida após a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929.

    Além das estações, os amantes dos trens resgatam também locomotivas e vagões ferroviários. Um deles é chamado Caboose, de 1966, o único de 25 existentes preservado, conforme a ABPF –ele é pequeno e tem uma cúpula alta com vidro, em que é possível ver a composição toda por cima. Há outros cerca de 30 aguardando restauração.

    Duas locomotivas a diesel usadas nos passeios, por exemplo, foram salvas antes de serem "depenadas". "Temos uma fila de coisas esperando, [mas fazemos] de acordo com recursos financeiros. A ABPF se mantém com os passeios", disse Silva.

    TURISMO

    Atualmente, entre 3 milhões e 3,5 milhões de passageiros trafegam em trens turísticos ou culturais no país, segundo a Abottc (Associação Brasileira das Operadoras de Trens Turísticos e Culturais).

    A maioria deles (900 mil) visita o Trem do Corcovado, no Rio. Há 32 rotas em operação, algumas sazonais, como o Trem do Forró (Recife a Cabo de Santo Agostinho), que só opera nos meses de junho.

    "Ninguém imagina esse volume de passageiros no país, mas há muitos trens que são acessíveis e até conseguiram crescer ultimamente. São uma opção para escapadas de finais de semana", disse Adonai Aires de Arruda Filho, presidente da associação e diretor da Serra Verde Express (que opera rota na Serra do Mar paranaense).

    A perspectiva da Abottc é de que o setor mantenha uma média de crescimento anual de dois novos trechos turísticos ou culturais.

    Cinco dessas rotas estão em São Paulo. Além da maria-fumaça de Campinas-Jaguariúna, há o Trem de Guararema –o mais recente a entrar em operação–, a Estrada de Ferro Campos do Jordão, o Trem dos Imigrantes e o Expresso Turístico.

    Em menos de um ano de operação, a maria-fumaça de Guararema, apontada como a maior em operação no país, transporta até 146 pessoas por viagem em seus três vagões, numa rota de 6,8 quilômetros em meio a um trecho montanhoso e com cachoeira, até a restaurada Vila de Luis Carlos.

    "A locomotiva é da década de 20 e veio da Filadélfia [EUA]", disse Bruno Sanches, diretor-secretário nacional da ABPF. Mas há, também, rotas que enfrentam algum tipo de problema no interior, como o Trem Moita Bonita, em Paraguaçu Paulista.

    DESPERTAR

    Na última quinta-feira (1), membros do Condepacc (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas) se reuniram para conhecer a revitalização, que foi aprovada.

    "Essa recuperação é importante por unir o capital privado da doação das tintas, a associação, a academia e também o setor público, representado pelo conselho. O que é importante de ver essas estações como antigamente é despertar nas pessoas a necessidade de preservar e, mais do que isso, de usar esse patrimônio", disse o arquiteto Luiz Antonio Martins Aquino, membro do conselho é responsável por acompanhar as obras.

    Estudante de arquitetura da PUC, Mariana Amparo, 25, atuou na busca das cores originais das estações e disse que uma das dificuldades foi lidar com as más condições de algumas das paredes.

    "Houve casos em que, na primeira tentativa, parte do reboque ameaçava cair. Foi preciso muita concentração e delicadeza", disse.

    Antes, as estações Pedro Américo e Carlos Gomes já tinham sido revitalizadas pela ABPF. Falta, ainda, a Desembargador Furtado, desativada desde 1962, mas que, para ser restaurada, depende da pavimentação de uma rua em frente à estação, que é movimentada e gera muita poeira.

    Além disso, é preciso definir uma finalidade para a estação, só usada para embarque e desembarque de hóspedes de um hotel próximo.

    TURISMO SOBRE TRILHOS Passeios de trem no Estado de São Paulo

    1. Trem de Guararema
    Quando: Sáb. e dom., às 10h e às 15h*
    Percurso: 6,8 km
    Preço: R$ 50
    Informações: (11) 4695-3765

    2. Estrada de Ferro Campos do Jordão (EFCJ)
    Quando: Sex., às 9h**
    Percurso: 47 km
    Preço: R$ 71 ou R$ 52 (apenas ida ou volta)
    Informações: (12) 3644-7408

    3. Expresso Turístico
    Quando: Sáb. e dom., às 8h30*
    Partida: Estação da Luz
    Preço: R$ 45
    Informações: 0800-0550121

    4. Trem dos Imigrantes
    Quando: Sáb., dom. e alguns feriados, das 11h às 16h, a cada hora
    Percurso: 3 km (do Museu da Imigração até o Brás)
    Valores: R$ 15 (trem da década de 50) e R$ 20 (trem da década de 20)
    Informações: (11) 2695-1151

    5. Maria-Fumaça Campinas
    Quando: Sáb. (10h10 e 15h), dom. (10h10, 14h30 e 16h30) e feriados, partindo de Campinas*
    Percurso: 48 km (ida e volta)
    Preço: R$ 95 e R$ 75 (meio percurso)
    Informações: (19) 3207-3637


    *Consultar
    **Há outros valores, datas e percursos (www.efcj.sp.gov.br)
    **Em alguns horários, só é feito meio percurso
    Fontes: CPTM e ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária)

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    O Estado de São Paulo tem cinco trechos ferroviários turísticos em operação. Outras três composições chegaram a percorrer trilhos paulistas nos últimos anos, mas estão paradas sem verba para manutenção ou precisam cumprir exigências para voltar.

    Um deles é o Trem Moita Bonita, de Paraguaçu Paulista, administrado pela prefeitura de lá e que percorria 24 km. Ele está com as atividades suspensas desde janeiro, para passar por adequações.

    Além de uma necessidade de adaptação para cadeirantes, precisará de um sistema de freio a ar, exigência da concessionária que compartilha o trecho. Isso não ocorreu até agora por causa da falta de recursos financeiros.

    "Não dá para ter perspectiva de quando voltarão a operar", disse o diretor do departamento de turismo da cidade, Luis Carlos Pedrozo.

    O projeto surgiu em 2005, mas as operações iniciaram quatro anos depois entre o centro da cidade e o distrito de Sapezal, num trajeto de três horas que levou 22 mil passageiros de 2010 a 2015.

    O trem dos Ingleses, em Paranapiacaba, operado pela ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), também está interrompido.

    De caráter histórico, está paralisado há um ano, segundo a entidade, pois a locomotiva aguarda manutenção. O Museu Ferroviário que engloba o passeio segue aberto à visitação, aos sábados, domingos e feriados, das 10h às 16h.

    Já o Trem Caipira, de São José do Rio Preto, um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que já consumiu mais de R$ 1 milhão em investimento, precisa atender exigências da ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre).

    O projeto prevê viagem de 10,5 km entre as estações de São José do Rio Preto e Engenheiro Schmitt. Nos últimos oito anos, só foi utilizado em caráter experimental.

    Há ainda um projeto em Sertãozinho, com percurso de 10 km que passe por lavouras de cana-de-açúcar.

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