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    Cúpula da cardiologia do Einstein cai por suposto elo com fornecedor

    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    13/09/2016 02h00

    Pedro Dias/Folhapress
    Hospital Albert Einstein
    Hospital Albert Einstein

    Um dos mais conceituados do país, o hospital Albert Einstein, na zona oeste de SP, demitiu um integrante da cúpula do setor de cardiologia e decidiu denunciar à polícia dois de seus médicos sob suspeita de ligação "espúria" com um fornecedor da instituição.

    Esses médicos são suspeitos de receber pagamentos e favorecer uma empresa fornecedora de próteses cardíacas.

    Os cardiologistas denunciados, Marco Antonio Perin e Fábio Sandoli de Brito Júnior, estão entre os principais nomes do país na área e comandavam juntos o Centro de Intervenção Cardiovascular do Einstein até junho passado.

    Perin foi demitido, e Brito Júnior, afastado do comando do centro que reúne tratamentos por meio de cateterismo para doenças cardíacas e circulatórias. Entre as intervenções no centro estão a angioplastia e o implante de stent –que, pela tabela do SUS, custam a partir de R$ 5.000.

    As primeiras denúncias, anônimas, chegaram à direção do hospital em maio passado e já tratavam do suposto envolvimento dos médicos.

    Essas denúncias traziam "diversas provas sobre o envolvimento espúrio", segundo comunicado do hospital obtido pela reportagem e protocolado nesta segunda (12) na polícia paulista.

    A própria Folha recebeu, desde junho, informações de leitores de supostas irregularidades em procedimentos cardíacos no hospital. Foi nessa época que os nomes dos dois médicos foram retirados do expediente do hospital como chefes do centro.

    Uma das fornecedoras supostamente envolvidas no esquema seria a CIC Cardiovascular, que tem como sócia Fátima Martins, enfermeira do Einstein nos anos 80 e que, em 2012, criou essa empresa.

    Uma investigação interna aberta logo após as denúncias analisou os e-mails corporativos e detectou repasses de dinheiro para contas de profissionais feitos por pessoas ligadas a essa fornecedora.

    Os contatos entre médicos e pessoas ligadas a essa empresa ocorriam ao menos desde 2012, via repasse de recursos e de viagens e presentes.

    Em junho de 2015, por exemplo, o médico Perin teria recebido da empresa pouco mais de R$ 200 mil, e seu colega Brito Júnior, R$ 100 mil.

    A apuração interna detectou um aumento de 541% na compra de stents farmacológicos nos anos de 2012 e 2013 e identificou ainda uma "clara preferência" dos médicos pelos produtos fornecidos pela empresa da ex-enfermeira do hospital Albert Einstein.

    O caso foi levado à polícia para que seja investigado se os médicos determinaram a realização de implantes desnecessários de próteses, apenas para alavancar os lucros da fornecedora e receber comissões por isso. Não há até aqui, porém, nenhuma prova de que isso tenha ocorrido.

    A Folha apurou que uma auditoria interna por amostragem em cirurgias cardíacas feitas por esses profissionais não detectou intervenções desnecessárias. Essa investigação apura ainda se houve a colocação de duas próteses quando seria suficiente apenas uma.

    Procurados, Perin e CIC não comentaram o assunto até a conclusão desta edição. Brito Júnior disse que nunca recebeu recursos de fornecedor.

    Antes de serem afastados, os médicos foram chamados para dar explicações à cúpula do hospital. Segundo relato de um integrante da investigação, ambos confirmaram o recebimento dos recursos, mas negaram irregularidade.

    Alegaram que os repasses eram de um empréstimo deles com a fornecedora.

    Cada um desses profissionais recebia salário acima de R$ 100 mil do hospital.

    MÉDICOS NEGAM

    Os médicos do Albert Einstein agora investigados pela polícia de São Paulo por suposta ligação com fornecedora do hospital negam terem cometido irregularidades.

    O médico Fábio Sandoli Brito Jr. disse à Folha que isso se tratava de um "assunto antigo" já esclarecido com a direção do hospital. "Não tenho absolutamente nada a ver com isso. Nunca recebi nada [de fornecedor]."

    Brito Jr. não explicou, porém, por que o nome dele deixou de constar desde junho como um dos chefes do Centro Intervenção Cardiovascular. "Continuo trabalhando no Einstein todos os dias. Fazendo angioplastia, cateterismo. Continuo normalmente trabalhando lá", disse.

    Uma pessoa que disse ser a mulher de Brito Jr. telefonou em seguida à Folha e pediu informações sobre em qual distrito policial de São Paulo a representação do Einstein tinha sido apresentada pelo hospital.

    EX-GERENTE

    O ex-gerente do Centro Intervenção Cardiovascular, Marco Antonio Perin, foi procurado pela reportagem, mas não comentou o assunto até a publicação. Um assessor de imprensa contratado pela defesa do médico entrou em contato com a Folha e solicitou mais informações sobre o assunto.

    Essa mesma assessoria informou que o médico tinha conhecimento do problema com o hospital, mas desconhecia que havia sido protocolada uma representação contra ele na Polícia Civil.

    O médico, segundo representação do Einstein, já tinha sido ouvido pela própria polícia em junho.

    Na ocasião, como testemunha, foi questionado apenas se conhecia algum fato envolvendo esquema com fornecedores.

    Naquela oportunidade, ao entrar em contato com a cúpula do hospital, esse médico foi informado sobre a investigação interna que detectara mensagens trocadas entre ele e representantes da empresa fornecedora.

    SINDICÂNCIA

    A diretora da CIC Cardiovascular, Fátima Martins, não foi localizada na sede da empresa na tarde desta segunda-feira (12) para comentar as suspeitas investigadas pela polícia de São Paulo.

    De acordo com a funcionária Jane Severiana, Fátima estaria num congresso fora da capital e apenas ela poderia falar em nome da empresa.

    Essa funcionária informou que entraria em contato com a diretora, para informar a ela o teor da reportagem. Nenhuma delas, porém, ligou de volta para o jornal até a noite desta segunda-feira.

    Também procurada para comentar a apuração interna e o afastamento dos médicos, a direção do hospital não se manifestou sobre o tema.

    Em junho, quando foi procurado pela reportagem para falar sobre este assunto, o hospital também não quis se manifestar. Uma sindicância interna ainda está em andamento para apurar a participação de outros funcionários do hospital, na zona oeste de São Paulo.

    Colaborou JAIRO MARQUES, de São Paulo

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    O que está sendo investigado

    > Se médicos marcaram cirurgias desnecessárias para beneficiar a empresa
    > Se eles deram preferência aos produtos da fornecedora em troca de dinheiro

    O que os médicos dizem

    > Perin disse ao hospital que ele e mais dois médicos emprestaram dinheiro a uma amiga, sócia da CIC, e que o valor foi devolvido por depósitos. Afirma que declarou o empréstimo em seu imposto de renda
    > Brito Júnior disse que nunca recebeu recursos de fornecedores

    Cronologia

    MAIO

    > Diretores do Einstein recebem denúncia anônima sobre suposto envolvimento de médicos com fornecedores
    > Equipe é montada para fazer investigação interna; e-mails corporativos são analisados
    > Grupo detecta troca de mensagens dos médicos com fornecedora; um dos assuntos é o repasse de valores para contas particulares -"como sempre", diz um e-mail

    JUNHO

    > Perin vai a delegacia para dar esclarecimentos como testemunha
    > Perin é demitido e Brito Júnior é afastado da chefia, mas continua trabalhando no hospital

    SETEMBRO

    > Hospital protocola representação contra os médicos na Polícia Civil

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