No começo do mês, o empresário Rafael Taube, 31, estava a caminho da maternidade para acompanhar o nascimento do sobrinho, de madrugada, quando o motorista do Uber que o levava dormiu e bateu em uma árvore. Ninguém se machucou, mas Taube ficou indignado com a situação. O motorista lhe disse que estava cansado e que deveria ter parado de trabalhar.

"Os motoristas que peguei nas últimas corridas têm o mesmo perfil: pessoas que perderam o emprego e estão trabalhando exaustivamente (14, 16 horas) pra ter uma renda OK e pagar as contas", diz ele. "O Uber, pelo menos até o momento, não tem demonstrado nenhum incômodo com isso. Estão tirando motoristas bêbados das ruas e colocando motoristas exaustos."

Situação semelhante aconteceu com a médica Roberta Buffone, 45. Voltando do aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, com a família, foi atendida por um motorista "visivelmente exausto". "Ele disse que estava dirigindo direto desde sexta-feira. Era domingo à noite", conta. Quando chegaram na Marginal Tietê, seu marido pediu para ele encostar o carro para chamarem outro motorista. "Ele falou que estávamos cobertos de razão", relata.

Em novembro do ano passado, a tarifa de Uber diminuiu. Com a mudança, somada ao aumento da quantidade de motoristas –número que a empresa não divulga– a bonança do começo do aplicativo no Brasil não tem sido a mesma para os motoristas.

Para obter um bom rendimento, estão trabalhando mais de 12 horas. Engenheiro civil desempregado, Rogério Barradas, 39, acorda às 5h e sai às 5h30 para pegar passageiros. Nos dias de movimento fraco, descansa da hora do almoço até as 16h. Volta para a rua e fica até meia-noite. Nos dias bons, fica direto, com alguns momentos de descanso.

"Trabalho entre 10 e 16 horas por dia, às vezes pulando as refeições", afirma. Ganha uma média de R$ 200 a R$ 250 por dia, menos 40%, que vai para o combustível. Um motorista de 36 anos que não quis ser identificado diz trabalhar entre 15 e 18 horas diárias e que conhece quem trabalhe 20 horas.

Para Sérgio Ejzenberg, mestre em transportes pela Poli- USP, o excesso de oferta cria um desequilíbrio e "força o motorista a trabalhar uma quantidade desumana de horas". "Quando a tarifa não tem mais equilíbrio, é de interesse da população encontrá-lo porque o resultado são acidentes. É função da empresa fazer um estudo técnico ou do poder público intervir", diz. E observa: "Com as promoções, está acontecendo com motoristas de táxi também".

A empresa diz que lançou no aplicativo dos motoristas, nesta semana, lembretes sobre a importância de fazer pausas. "Os motoristas têm total flexibilidade e independência para fazer seus horários, conectando-se com a frequência que bem entenderem, e mesmo quando conectados, aceitarem ou não cada chamada que lhes é direcionada. Desta forma, a Uber não tem ingerência sobre os horários de trabalho deles."

A gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), que regulamentou o serviço em maio, diz que "a legislação sobre relações trabalhistas é de atribuição federal, bem como a legislação sobre as relações de consumo".

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