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    Para PM pernambucana, evitar uso exagerado de álcool previne estupros

    FERNANDA MENA
    DE SÃO PAULO

    23/09/2016 17h14

    Não exagerar no uso de bebida alcoólica. Andar na companhia de pessoas de sua confiança. Manter a intimidade em sigilo e evitar a exposição pessoal em redes sociais.

    Estas são três das oito condutas sugeridas pela Polícia Militar de Pernambuco em nota intitulada "Dicas de Segurança e Comportamento", divulgada na semana passada, para que se evite sofrer um estupro.

    O Estado viveu uma onda de agressões sexuais nas últimas semanas, muitas delas ocorridas durante o dia e em bairros movimentados de classe média do Recife.

    A divulgação de tais dicas de segurança, inicialmente endossadas pelo governador Paulo Câmara (PSB) em entrevista a órgãos locais de imprensa, foi avaliada por especialistas como desastrosa.

    "É um desastre por dois motivos. Primeiro porque trata-se de uma ingerência do Estado sobre a vida íntima da mulher, ditando normas de comportamento. Segundo, e mais grave, porque, ao fazer isso, o Estado abre mão de seu papel na defesa da população, culpando a vítima pela violência sofrida e reconhecendo sua falência no controle de crimes", avalia a socióloga pernambucana Ana Paula Portella, especialista em violência contra a mulher.

    A reação de mulheres e ativistas foi intensa nas redes sociais. A cantora Karina Burh, criada no Recife, gravou vídeo em que avalia que as dicas reproduzem "o discurso do estuprador, que diz que a mulher estava de saia curta, que a mulher estava bêbada" e que por isso sofreu o estupro.

    Segundo Portella, as dicas da PM são ainda ineficazes por "não considerar que as mulheres mudaram e não aceitam mais este tipo de controle".

    Pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG que reúne especialistas do setor, e divulgada na quarta (20) revelou que um a cada três brasileiros concorda que "a mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada".

    De acordo com a pesquisa, 65% dos brasileiros temem ser alvo de agressão sexual. Entre mulheres, o número sobe para 85%. A região Nordeste concentra o índice mais alto: 90% das mulheres têm medo de ser vítima de estupro.

    PERCEPÇÃO SOBRE ESTUPRO - Concordam com a frase "A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada" (em %)

    No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, segundo registros oficiais, totalizando quase 50 mil crimes do tipo ao ano. Estimativas apontam, no entanto, que apenas 10% dessas agressões sexuais sejam registradas, o que sugere uma cifra oculta de até 500 mil estupros anuais.

    Procurada, a PM informou que "diante da polêmica gerada pelas dicas", não vai mais tratar deste assunto. O governador Paulo Câmara, também por meio de nota, informou que as dicas da PM não se referem especificamente a mulheres, por se tratar de alerta "a toda a população pernambucada independentemente de gênero ou identidade de gênero". Informou ainda ter determinado a revisão do texto da PM, retirando itens que "não representam a posição" do governo. " Não concordamos com a normatização da conduta e do comportamento das pessoas, sejam homens ou mulheres."

    Para José Luiz Ratton, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Segurança Pública da Universidade Federal de Pernambuco e idealizador do programa Pacto Pela Vida, que reduziu homicídios no Estado, "a Polícia Militar precisa aumentar sua presença nas ruas para prevenir a ocorrência de crimes violentos, incluindo os crimes sexuais. Ao mesmo tempo, a Polícia Civil pernambucana deve dar prioridade à investigação destes tipos de crimes. O policiamento ostensivo permanente e a priorização da investigação deste tipo de crime, identificando a autoria e realizando a detenção dos autores, contribuirá para a redução da impunidade e desencorajará eventuais futuros agressores".

    PERCEPÇÃO SOBRE ESTUPRO - Concordam com a frase "Mulheres que se dão ao respeito não são estupradas" (em %)

    *

    Veja as "Dicas de Segurança e Comportamento" divulgadas pela PM pernambucana para que se evite um estupro no Estado:

    • Evitar andar ou ficar dentro de veículos nos locais de risco, nas ruas e avenidas de baixa circulação de pessoas, mal iluminadas e com problemas de infraestrutura;
    • Desviar de edificações e terrenos abandonados;
    • Antes mesmo de entrar no carro para dirigir ou assim que descer do veículo, observar o entorno do estacionamento e local de parada. Se observar a presença de suspeitos, seguir em frente e acionar a polícia através do 190;
    • Nas saídas sociais, evitar o exagero no uso da bebida alcoólica e tomar cuidado com a presença de pessoas estranhas e aquelas que acabou de conhecer;
    • Procurar andar na companhia de pessoas de sua confiança;
    • Manter sua intimidade em sigilo e evitar exposição pessoal em redes sociais;
    • Nos casos em que a pessoa se sinta perseguida, tentar manter a calma e interromper o trajeto no primeiro local movimentado, de preferência lojas e locais com profissionais de segurança, e acionar, imediatamente, a polícia;
    • Em situação de risco e onde haja a oportunidade de pessoas testemunharem a ação, gritar chamando pela polícia. Se estiver sob a mira de uma arma de fogo ou arma branca, que possa colocar sua vida imediatamente em risco, procurar memorizar as características físicas do criminoso e repassar, imediatamente, para a polícia.

    Via-crúcis depois do estupro

    PERCEPÇÃO SOBRE ESTUPRO - Têm medo de serem vítimas de agressão sexual (em %)

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