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    Com crise e alta do dólar, sacoleiro 'evapora' na fronteira paraguaia

    MARCELO TOLEDO
    ENVIADO ESPECIAL A CIUDAD DEL ESTE (PARAGUAI) E A FOZ DO IGUAÇU (PR)

    26/09/2016 02h00

    Os áureos tempos em que era muito vantajoso viajar até 25 horas dentro de um ônibus para fazer compras no Paraguai e depois revender as mercadorias ficaram para trás. A rotina dos sacoleiros que persistem na atividade se transformou em uma batalha diária de "gato e rato".

    Os sacoleiros quase desapareceram do cenário de Foz do Iguaçu e da vizinha paraguaia Ciudad del Este, em comparação a décadas atrás.

    Apesar de afetados por fatores como a alta do dólar nos últimos anos, a crise econômica no país, a concorrência do contrabando profissional, o risco de roubos nas estradas e o acirramento das fiscalizações, eles não foram extintos.

    Sacoleiros e comércio na fronteira - Produtos apreendidos de janeiro a julho, em milhões de US$

    Se, até dez anos atrás, a fronteira entre os países chegava a receber mil ônibus num dia, com sacoleiros principalmente do Sudeste e Sul do país, esse número hoje não passa de cem, segundo a Receita Federal em Foz, responsável pela fiscalização na ponte da Amizade e no entorno da cidade paranaense.

    "Ainda existem, mas temos recebido cada vez menos esse tipo de público", disse Carlos Silva, presidente do Sindhotéis (sindicato de hotéis, restaurantes e bares) de Foz.

    O limite de US$ 300 (R$ 974) para compras, isento de impostos, e exigências embutidas nele são vistos por sacoleiros como obstáculos, que tentam driblá-los das mais variadas formas.

    A Folha acompanhou uma operação da Receita na região da fronteira, que apreendeu em São Miguel do Iguaçu dois ônibus, de Curitiba (PR) e Joinville (SC), com produtos proibidos e excesso de bagagem.

    No veículo com 36 passageiros que tinha como destino a cidade catarinense, foram apreendidas mercadorias que somam US$ 33.800 (R$ 109,7 mil), dos quais US$ 4.900 (R$ 15.915) foram pegos por agentes em revistas pessoais que contaram com situações inusitadas.

    Um passageiro escondia iPhones dentro das palmilhas dos calçados, enquanto outro tentava disfarçar ampolas de anabolizantes em meio a copos de água mineral. Um terceiro, que tinha comprado mais de 20 relógios iguais, tentou distribui-los nos pulsos dos colegas do ônibus.

    Sacoleiros no Brasil

    As meias também serviram de esconderijo para smartphones, assim como o banheiro do ônibus, que guardava remédios. Um, sem saber o que fazer com a calça de grife que comprou, resolveu vesti-la. Só se esqueceu de retirar as etiquetas.

    "Comprei 12 tapetes, a R$ 90 cada um. Venderia por R$ 140 e faria uns trocados para ajudar a família, ainda mais agora, que sou pai", disse Cristiano Ribeiro, 29, que desceu do ônibus com a calça ainda etiquetada. Além de ter estourado a cota, sua compra –de vários produtos repetidos– foi avaliada pelos agentes como sendo de destinação comercial, o que é vetado, independentemente do valor.

    O ônibus poderia ter, no máximo, US$ 10.800 em mercadorias para se enquadrar na lei, pois transportava 36 passageiros, segundo o motorista. A revista e a contagem foram feitas na delegacia, para onde o ônibus foi levado após a interceptação rodoviária.

    VIA RÁPIDA

    A revista na BR-277 ocorreu às 12h15 da última quarta (21). Três minutos depois, a ação já era conhecida por grupos de sacoleiros que trocam, via WhatsApp, informações sobre fiscalizações da polícia (Rodoviária e Federal) e da Receita.

    "Receita, duas camionetes, pedágio de São Miguel, parou dois ônibus", dizia o alerta, lamentado por usuários dos grupos aos quais a reportagem teve acesso e que contam com membros de todo o país.

    No ônibus que ia para Curitiba, 27 passageiros transportavam US$ 38.900 em mercadorias, US$ 1.440,74 per capita. Só um passageiro cumpriu o limite e levou as compras para casa. Os demais perderam tudo.

    "Os consumidores podem trazer mercadorias originais de qualquer valor, desde que paguem o imposto de 50% sobre o que exceder US$ 300. Só que a declaração tem de ser feita no setor primário, que é a aduana na ponte da Amizade", disse Paulo Kawashita, chefe da equipe operacional da Receita.

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