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    Massacre do Carandiru

    Entidades atacam e PMs comemoram anulação de julgamento do Carandiru

    PAULO GOMES
    DE SÃO PAULO

    27/09/2016 19h52

    Entidades defensoras dos direitos humanos e um dos promotores que atuaram no julgamento dos policiais militares envolvidos no massacre do Carandiru lamentaram a anulação da condenação de 74 PMs pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ) nesta terça-feira (27). Uma associação de policiais militares, por sua vez, comemorou a decisão.

    "É triste de ver. Respeito essa decisão, mas chama atenção a falta de sensibilidade pela decisão da sociedade", diz Márcio Friggi, promotor que atuou na condenação dos policiais. "Toda vez que foi chamada para discutir o caso, a sociedade decidiu pela responsabilização dos PMs", afirma Friggi.

    Como houve recurso da defesa na época das condenações, os réus não chegaram a iniciar o cumprimento das penas. Para o promotor, essa lentidão para se chegar a uma decisão definitiva –o massacre completa 24 anos no domingo (2)– mostra uma Justiça Penal "simbólica, burocrática, travada e pouco eficiente".

    "Que vergonha", diz Débora Maria da Silva ao saber da anulação do TJ. Ela é coordenadora e fundadora do Mães de Maio, movimento social de familiares de vítimas da onda de violência de maio de 2006, que deixou 505 civis mortos numa aparente resposta ao assassinato de 59 policiais.

    Editoria de arte/Folhapress
    Como votam os desembargadores no julgamento do Massacre do Carandiru

    "A polícia só mata porque o Judiciário enterra com a canetada. Mata mais do que a polícia que aperta o gatilho. Que lei é essa que não pune quem tira a vida?", diz Débora. Ela defende a reforma do Judiciário e a desmilitarização da polícia. "Ele [Judiciário] é partidário, não pune quem deveria. Deveria ser autônomo e não é", afirma.

    Massacre do Carandiru
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    Ariel de Castro Alves, advogado membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe) diz que a decisão "abre ainda mais precedentes para a ampliação dos já altos índices de violência e letalidade nas ações policiais em São Paulo e no Brasil, sob o falso argumento de 'legitima defesa'". "O TJ está chancelando o recrudescimento da violência policial e a impunidade decorrente desses crimes", afirma Ariel.

    Para Marcos Fuchs, advogado e diretor adjunto da Conectas Direitos Humanos, foi uma decisão tendenciosa. "Um lado é muito mais forte do que o outro. Não parece interessante fazer justiça para familiar de preso que morreu. Isso não está na agenda do Judiciário", diz.

    Débora pede uma "Lava Jato" no caso. "Tem que ter delação premiada para as execuções sumárias", afirma.

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    "LEGÍTIMA DEFESA"

    Presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo, o cabo Wilson Morais comemorou a decisão. "É uma boa notícia, pelo menos para nós que somos policiais e para esses 74 pais de família que não conseguiam dormir."

    Morais refuta a ocorrência de crime no massacre. "É um absurdo esses 74 pagarem por algo que não foi crime. Eles estavam no estrito cumprimento do dever legal, atuando pelo Estado, com ordem do governador (Luiz Antônio Fleury Filho, do PMDB) e do secretário de Segurança Pública da época (Pedro Franco de Campos). Foram recebidos a tiros, pauladas e pedradas. Foi legítima defesa", afirma.

    A hipótese de que os detentos portavam armas de fogo nunca foi confirmada –consta do depoimento do coronel Valter Alves Mendonça no júri popular, em 2013. À época, o Ministério Público de São Paulo afirmou que as armas encontradas foram plantadas pela própria polícia.

    "Os policiais poderiam ter morrido de Aids", diz Morais, acrescentando que os detentos "jogavam sangue com seringa" em cima dos oficiais que invadiram o presídio para apartar a rebelião. "Se tivessem usado munição não letal quem tinha morrido eram os policiais. Um presídio com 8 mil marginais condenados contra 74 policiais. Será que se usassem armas não letais os 74 homens iam dominar a multidão que estava lá dentro?", questiona.

    "Foi feita justiça e seria mais justiça ainda se eles fossem absolvidos definitivamente, se não tivesse um novo júri", afirma o cabo.

    Procurada, a Polícia Militar de São Paulo informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não se manifesta em relação a decisões judiciais.

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    Julgamento do Massacre do Carandiru

    Ação foi desmembrada de acordo com os andares do pavilhão 9

    1º andar
    Mortos: 15
    Condenados: 23 policiais
    Absolvidos: 3, a pedido da promotoria
    Pena: 156 anos de reclusão cada um
    Julgamento: 6 dias

    2º andar
    Mortos: 73
    Condenados: 25 PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar)
    Pena: 624 anos de reclusão cada um
    Julgamento: 6 dias

    3º andar
    Mortos: 8
    Condenados: 15 PMs do COE (Comando de Operações Especiais)
    Pena: 48 anos de reclusão cada um

    4º andar
    Mortos: 15
    Condenados: 10 PMs do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais)
    Pena: 9 com pena de 96 anos cada um, e um com pena de 104 anos
    Julgamento: 3 dias

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    Cronologia

    2.out.1992
    111 presos são mortos na Casa de Detenção em São Paulo após invasão da PM

    2001
    Coronel Ubiratan, apontado como responsável pela ordem para invadir o Carandiru, é condenado a 632 anos de prisão, por 105 das 111 mortes

    Fev.2006
    Tribunal de Justiça de SP absolve o coronel, ao entender que a sentença do júri havia sido contraditória

    10.set.2006
    Ubiratan é encontrado morto; única acusada do crime, sua ex-namorada foi absolvida em 2012

    21.abr.2013
    Conclusão do julgamento do 1º andar

    3.ago.2013
    Conclusão do julgamento do 2º andar

    19.mar.2014
    Conclusão do julgamento do 4º andar

    31.mar.2014
    Conclusão do julgamento do 3º andar

    10.dez.2014
    Ex-PM da Rota que foi julgado separadamente é condenado a 624 anos de prisão; ele já estava preso pela morte de travestis. Seu caso foi separado porque, na época, a defesa pediu que ele fosse submetido a laudo de insanidade mental

    27.set.2016
    Após recurso da defesa, Tribunal de Justiça de SP anula todos os julgamentos


    *Parte das mortes não resultou em condenações porque não havia provas de que haviam sido causadas por policiais
    Fontes: Reportagem, Ministério Público e Fundação Getulio Vargas

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