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    Massacre do Carandiru

    Decisão sobre Carandiru fomenta violência policial, diz procuradora

    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    28/09/2016 02h00

    A procuradora Sandra Jardim, integrante do Ministério Público e responsável pelo processo do massacre do Carandiru, avalia que a decisão do Tribunal de Justiça de anular a condenação de 74 PMs fomenta a violência policial.

    "Essa decisão não escreve com a pena da esperança. Não nos dá um alento de dias melhores", afirma à Folha. A procuradora diz que a manifestação do desembargador Ivan Sartori pela absolvição dos réus "rasga a Constituição".

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    Folha - O desembargador Ivan Sartori disse que não houve massacre, mas legítima defesa dos PMs. O que a sra. acha?
    Sandra Jardim - Ora, se você considerar que um preso que é abatido numa cela, desarmado, com pelo menos seis, sete, oito disparos, como ocorreu, não é uma execução, um massacre, então fica difícil para explicar no que vem a consistir isso.

    O TJ desconsiderou uma decisão do conselho de sentença sob argumento de que os jurados não souberam votar.
    Eu tenho a impressão de que o tribunal vai além. O que ele faz é desconsiderar um mandamento constitucional.
    Se essa sentença absolutória [para absolver os policiais] se confirmar, ela rasga a Constituição. Porque a Constituição fala claramente que a única autoridade competente para decidir sobre crime doloso contra a vida é o júri popular. Então, nenhum dos desembargadores [do TJ] pode examinar o mérito [de condenação de homicídio].
    Não estava em julgamento a Policia Militar. Como também não estavam em julgamento os juízes que compareceram ao local. E foi dado um peso absoluto para o depoimento de um juiz, numa questão absolutamente controvertida dos autos.
    Um dos juízes, que hoje é desembargador, diz que antes de a tropa ingressar ao pavilhão, ele teria ouvido disparo de arma de fogo. Mas os colegas dele disseram que não ouviram nada.

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    Como um cidadão deve encarar essa decisão?
    Essa decisão não é passível de entendermos com tranquilidade. Porque nós estamos vivendo um momento de violência policial que não foi estanque. É um movimento que, no lugar de decrescer, ele cresceu. E essa decisão vem reforçar um posicionamento equivocado.
    Essa decisão não escreve com a pena da esperança. Não nos dá um alento de dias melhores. Com todo respeito que eu tenho por esses desembargadores, esse processo foi exaustivamente examinado por cinco júris diferentes. É um equívoco dizer que os jurados votaram enganados, que se equivocaram no exame das provas.

    A decisão acaba fomentando a violência policial?
    De algum modo, sim. Estamos vivendo um momento difícil. É um paradigma essa decisão em relação ao comportamento que se esperava.
    No momento em que há uma tropa que comporta mais de 400 e 120 têm comportamento excessivo, alguma coisa está errada se você não punir esse comportamento excessivo. Não porque exista uma luta ideológica, mas porque se excederam e mataram 111 pessoas.

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    PERGUNTAS E RESPOSTAS

    1. O que aconteceu na audiência de terça (27)?
    O Tribunal de Justiça de SP anulou os cinco julgamentos que condenaram 74 policiais militares pelo massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 presidiários foram assassinados em uma ação da PM para conter um motim na antiga Casa de Detenção de São Paulo.

    2. Como votaram os desembargadores do TJ?
    Camilo Léllis (revisor) e Edison Brandão votaram pela anulação de todos os julgamentos, por considerarem que não há provas que demonstrem quais foram os crimes cometidos pelos agentes. A tese é que, sem poder individualizar a conduta de cada um, não faz sentido condená-los.

    Já Ivan Sartori (relator) votou pela anulação e também pela absolvição dos réus, por entender que, se três policiais foram absolvidos, não seria justo condenar qualquer um deles, porque todos atuaram em circunstâncias idênticas.

    3. Por que os três policiais foram absolvidos?
    Na época, a promotoria os retirou da denúncia após concluir que eles não participaram efetivamente da operação. Ficaram de fora do prédio ou estavam fisicamente fora da ação que culminou nas mortes.

    4. O que os advogados dos PMs pedem?
    Além da nulidade dos julgamentos por falta de provas, também querem que os 74 réus sejam absolvidos. Diferentemente do argumento usado pelo juiz Ivan Sartori, eles usam como base a absolvição do comandante da corporação na época, o coronel Ubiratan Guimarães. Ele havia sido condenado em 2001 por 105 mortes, mas foi absolvido cinco anos depois pelo TJ.

    O tribunal entendeu que, mesmo com a condenação, o júri popular quis inocentá-lo, pois aceitou a tese da defesa de que o coronel estava cumprindo o seu dever como policial. Tecnicamente, porém, ele não pode ser considerado absolvido, porque seu processo foi encerrado ainda em trâmite –ele morreu em 2006, sem nunca ter sido preso, antes que a Promotoria esgotasse os recursos em todas as instâncias da Justiça.

    5. Quais são os argumentos da Promotoria?
    De que a tropa, ao entrar no Carandiru com metralhadoras e outros tipos de arma, assumiu a responsabilidade pelo que poderia ocorrer. Os policiais militares que não atiraram ficaram de fora dos julgamentos.

    6. Os policiais que haviam sido condenados estão presos?
    Não. Como a defesa dos policiais recorreu da condenação e eles aguardavam a decisão em 2ª instância, ninguém foi preso. O ex-PM da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Cirineu Carlos Letang Silva, que foi julgado separadamente dos demais, já cumpria pena por outros homicídios quando foi condenado.

    7. O que vai acontecer agora?
    Uma nova sessão será convocada, agora com a participação de mais dois desembargadores, para votarem pela anulação e envio do caso para um novo julgamento ou pela absolvição direta. Não há nenhuma data prevista. A promotoria anunciou também que vai recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), o que pode protelar a decisão final por anos.

    8. O Tribunal de Justiça poderia ter anulado os julgamentos?
    Segundo especialistas, sim, se a decisão da primeira instância tiver sido contrária às provas dos autos ou em caso de uma falha processual, por exemplo. Alguns, no entanto, criticam a perícia realizada na época e o fato de o tribunal ter abrandado o tratamento aos policiais, já que não são raras condenações em processos falhos.

    9. E a corte pode absolver os condenados?
    A maioria dos especialistas defende que não, porque já houve uma condenação pelo júri popular e ela é soberana. Para Miguel Pachá, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio, nesse caso o TJ só pode inocentar se o crime prescrever.

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