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    Massacre do Carandiru

    Individualização dos crimes volta a dominar debate sobre Carandiru

    EDUARDO GERAQUE
    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    28/09/2016 20h11

    A decisão do Tribunal de Justiça de anular os julgamentos que condenaram 74 PMs pelo massacre do Carandiru reabriu a discussão sobre a possibilidade de individualizar os crimes cometidos por cada um dos policiais que participaram da ação que terminou com 111 mortos.

    Os desembargadores Camilo Léllis e Edison Brandão centraram suas decisões a favor da anulação dos julgamentos sob a justificativa de falta de provas das condutas de cada um dos policiais acusados.

    "O juiz é a última esperança de um acusado e não se pode condenar por baciada", afirmou Léllis. "Houve uma situação de confronto e acredito que aconteceram excessos, mas é preciso verificar quem se excedeu, quem atirou em quem. A perícia foi inconclusiva e duvidosa."

    Brandão cita como exemplo um réu que possa ter atirado uma vez, mas condenado por 70 mortes. "Como magistrado não posso aceitar uma condenação dessas."

    A impossibilidade de individualizar a participação de cada PM (algum pode ter baleado só um preso e sido condenado por várias mortes? algum pode ter atirado, mas não acertado ninguém?) também foi debatida no júri.

    Mas a acusação argumenta –tese aceita pelos jurados– que todos os policiais que participaram da invasão e atiraram têm responsabilidade pelo resultado final. Ou seja, mesmo quem não tiver baleado contribuiu com as mortes, dando apoio ao grupo.

    Massacre do Carandiru
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    A procuradora Sandra Jardim, que cuidou da ação no Ministério Público, exemplifica: "Se três pessoas saem para praticar um roubo e um atira e mata a vítima, esse Tribunal de Justiça sempre entendeu, pela teoria do domínio do fato, que os dois que não atiraram também respondiam pelo latrocínio. Quem sai para tomar parte de um roubo a mão armada antevê a possibilidade de criar uma morte".

    O desembargador Ivan Sartori defendeu a absolvição de todos os policiais, e não só a anulação dos julgamentos. A possibilidade, porém, é rejeitada por especialistas em direito sob a justificativa de que a decisão do júri é soberana. Eles dizem que ela pode ser anulada caso os desembargadores considerem as provas do processo contraditórias com a sentença. Mas não pode ter seu teor alterado.

    O trio de julgadores no TJ também sustentou como necessária a ação dos PMs porque teriam agido no cumprimento do dever. Sartori enfatizou haver "legítima defesa" dos policiais –e que isso não foi considerado pelo júri.

    O Ministério Público vai recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e não há prazo para decidir sobre um novo julgamento.

    Como foi o massacre do Carandiru

    -

    Julgamento do Massacre do Carandiru

    Ação foi desmembrada de acordo com os andares do pavilhão 9

    1º andar
    Mortos: 15
    Condenados: 23 policiais
    Absolvidos: 3, a pedido da promotoria
    Pena: 156 anos de reclusão cada um
    Julgamento: 6 dias

    2º andar
    Mortos: 73
    Condenados: 25 PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar)
    Pena: 624 anos de reclusão cada um
    Julgamento: 6 dias

    3º andar
    Mortos: 8
    Condenados: 15 PMs do COE (Comando de Operações Especiais)
    Pena: 48 anos de reclusão cada um

    4º andar
    Mortos: 15
    Condenados: 10 PMs do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais)
    Pena: 9 com pena de 96 anos cada um, e um com pena de 104 anos
    Julgamento: 3 dias

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    Cronologia

    2.out.1992
    111 presos são mortos na Casa de Detenção em São Paulo após invasão da PM

    2001
    Coronel Ubiratan, apontado como responsável pela ordem para invadir o Carandiru, é condenado a 632 anos de prisão, por 105 das 111 mortes

    Fev.2006
    Tribunal de Justiça de SP absolve o coronel, ao entender que a sentença do júri havia sido contraditória

    10.set.2006
    Ubiratan é encontrado morto; única acusada do crime, sua ex-namorada foi absolvida em 2012

    21.abr.2013
    Conclusão do julgamento do 1º andar

    3.ago.2013
    Conclusão do julgamento do 2º andar

    19.mar.2014
    Conclusão do julgamento do 4º andar

    31.mar.2014
    Conclusão do julgamento do 3º andar

    10.dez.2014
    Ex-PM da Rota que foi julgado separadamente é condenado a 624 anos de prisão; ele já estava preso pela morte de travestis. Seu caso foi separado porque, na época, a defesa pediu que ele fosse submetido a laudo de insanidade mental

    27.set.2016
    Após recurso da defesa, Tribunal de Justiça de SP anula todos os julgamentos


    *Parte das mortes não resultou em condenações porque não havia provas de que haviam sido causadas por policiais
    Fontes: Reportagem, Ministério Público e Fundação Getulio Vargas

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