• Cotidiano

    Thursday, 02-May-2024 05:10:31 -03

    Dez anos depois, 'ruínas' da Lei Cidade Limpa incluem até carcaça de outdoor

    ANGELA PINHO
    DE SÃO PAULO

    02/10/2016 02h00

    A faculdade foi vendida, o número de telefone não existe mais e, do outdoor, restou apenas a carcaça. Dez anos após a criação da Lei Cidade Limpa, resquícios de antigas propagandas ainda aparecem na cidade de São Paulo.

    Em prédios onde a tinta descascou, ou mesmo que nunca foram pintados, as laterais expõem empresas e serviços que deixaram de existir, em alguns casos, há quase dez anos. Juntas, elas formam uma espécie de museu da era em que a propaganda de rua era liberada.

    "Anuncie aqui", pede a inscrição, em letras maiúsculas, na lateral de um prédio na rua da Mooca, na zona leste, e de outro na praça Carlos Gomes, no bairro da Liberdade, região central da cidade.

    Abaixo do apelo, visível a aproximadamente 500 metros de distância dali, o site inoperante da agência G&G Comunicação Visual e um número de telefone que também não existe mais.

    "Ali tinha a propaganda de uma seguradora", conta o porteiro do edifício da Liberdade. "Outro dia até peguei o número da parede e liguei, porque o pessoal da agência de comunicação deixou uns materiais aqui, mas não adiantou", afirma.

    O número não existe mais porque a empresa foi "fechada pela lei Cidade Limpa", diz seu proprietário, Gerson Luiz Azevedo. No auge, a agência tinha 40 painéis na cidade, segundo ele.

    As laterais de prédios com os contatos da empresa e o "anuncie aqui" permanecem, diz, porque não era sua obrigação contratual repintar a fachada, mas apenas retirar a publicidade. O que restou é uma assinatura da agência, não propaganda, sustenta.

    "É uma experiência frustrante e traumática passar por um prédio que já teve um painel", afirma Azevedo.

    Um condomínio no centro ganhava para ceder o espaço à propaganda cerca de R$ 5.000 por mês em valores atuais, diz. "Hoje, há muitos edifícios na região central degradados, sem dinheiro nem para pintura."

    CONTRASTE

    Não é, porém, a realidade de todos os imóveis na região central. Nos últimos dois anos, principalmente, mais de uma dezena de prédios da área passou a ter grafites e jardins verticais nas laterais.

    Quem passa pelo viaduto Júlio de Mesquita Filho vê exemplares dos dois tempos na região da praça Roosevelt.

    À direita, no sentido leste, a lateral de um dos prédios tem uma obra que retrata uma criança e livros.

    À esquerda, outro edifício ostenta uma ruína pré-Cidade Limpa: um anúncio da Unibero que voltou a aparecer na parede descascada. A instituição, um centro universitário, foi extinta em 2010, após ser adquirida pela Anhanguera.

    A síndica, que não quis ter o nome publicado, disse que iria submeter à assembleia de condôminos a decisão de repintar a fachada.

    Perto dali, no mesmo viaduto Júlio de Mesquita Filho, outra peça de museu: a carcaça metálica de um outdoor com dois painéis.

    A estrutura fica em um terreno na rua professor Laerte Ramos de Carvalho, na Bela Vista, onde atualmente há um centro de reciclagem.

    De acordo com uma funcionária, o antigo outdoor fica no limite do terreno vizinho, e seu dono prometeu recentemente retirar a peça, que seria alvo de uma disputa na Justiça. A reportagem não conseguiu localizá-lo.

    Secretário-adjunto da Coordenação municipal das Subprefeituras, José Rubens Domingues Filho afirmou na sexta-feira (30) à reportagem que todos os locais mencionados seriam inspecionados até o final de semana.

    Idealizadora da Lei Cidade Limpa, há dez anos, a arquiteta e urbanista Regina Monteiro diz que a responsabilidade por retirar a publicidade irregular é tanto do condomínio como do anunciante. "A subprefeitura tem que multar", afirma.

    MULTAS

    Após um pico em 2011, o número de multas por infrações à Lei Cidade Limpa caiu na capital paulista.

    Naquele ano, foram 4.591 autuações. Em 2012, o total caiu para 2.555. De 2013 em diante, a queda se acentuou, e a média anual ficou em cerca de 400 por ano.

    Os motivos não são consenso. "Há um total descaso na fiscalização", diz a arquiteta e urbanista Regina Monteiro, que idealizou a lei durante a gestão do então prefeito Gilberto Kassab (PSD). "Estamos no limiar de perder a cultura de respeito à lei que havia sido adquirida."

    "Após aquele pico em 2011 e 2012, o número se estabilizou porque o comércio absorveu o espírito da lei", diz José Rubens Domingues Filho. Secretário-adjunto da Coordenação das Subprefeituras da gestão Fernando Haddad (PT), ele coordenou a fiscalização da lei na administração Kassab.

    Segundo ele, a prefeitura apreendeu mais de 1 milhão de itens de propaganda irregular neste ano, incluindo banners, faixas e cavaletes.

    JEITINHO

    Além das propagandas irregulares, a capital paulista tem ainda estabelecimentos que adotaram formas de driblar as proibições da lei.

    Lojas em avenidas como a Paulista e a Rebouças, ou até as que ficam nas esquina dos Jardins, na zona oeste, passaram a anunciar seus produtos em telões na parte interna. Ainda que visíveis do lado de fora, os anúncios não são ilegais por estarem a mais de um metro da vitrine.

    Outra forma de desvio aos princípios da lei, para Regina Monteiro, é o uso de grandes painéis metálicos, chamados alucobond, que fazem alusão ao design da marca.

    Embora a placa com o nome da empresa esteja dentro das especificações da Cidade Limpa, não deixa de ser uma forma de propaganda, diz.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024