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    José Sales dos Santos (1942-2016)

    Mortes: Mestre Sales e a travessia dos negros

    WILLIAN VIEIRA
    DE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    15/10/2016 00h00

    Ele tinha 18 anos quando o cortejo passou e o "finado" Paulino fez o ansiado convite. José faria parte do grupo de homens paramentados com saias, fitas e colares que desde tempos esquecidos serpenteia pelas ruas de Mussuca, povoado quilombola de Laranjeiras (SE), pulando e cantando a versão da antiga tradição de Portugal. Mal sabia que adentrava, de vez e para sempre, o humilde cânone da cultura local.

    Cem anos atrás, reza a lenda, um quilombola decidiu emular o folguedo que, Brasil afora, celebra são Gonçalo do Amarante –o marinheiro que, desde a Idade Média, com a folia da viola, tirava as prostitutas do pecado. Daí os figurantes vestidos de mulher, enquanto o mestre, calça e quepe, dá o tom com a caixa. Ali, só dançam homens, negros, e em ritmo africano: Laranjeiras chegou a ter 30 mil escravos, que, com a abolição, ficaram por lá.

    De início, o grupo era chamado pelos promesseiros para agradecer ao santo. Com Sales, "o quilombo atravessou a avenida e ganhou a cidade", diz o secretário de cultura, Irineu Fontes. A cada evento de cultura do Sergipe, lá estavam os filhos do quilombo. A tradição, dizia, devia sobreviver.

    Até que o corpo cansou. Quando morreu, dia 5, aos 74, de AVC, deixou a viúva, sete filhos e a chama do são Gonçalo mais que viva. No velório, o grupo cantou para o mestre: "Adeus, capitão, adeus". E pelas mesmas ruas onde ele pulava, caixa na mão, o cortejo desfilou. À frente, vestido de marinheiro, a golpear o tambor como ele, seguia o neto Neilton.

    coluna.obituario@grupofolha.com.br

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