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    Palhaço profissional sofre agressão real em meio a onda de pegadinhas

    CHICO FELITTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    31/10/2016 02h00

    Cristiano Silveira, 43, ficou com o rosto tão branco quanto o pó de arroz que cobria sua cútis enquanto subia a rua dos Pinheiros numa noite de sexta, há duas semanas.

    Foi cercado por quatro homens que, com o dedo em riste contra seu nariz, pintado de vermelho, desceram de um carro e questionaram: "Você se veste assim pra quê? Para assustar as pessoas?".

    Não. Silveira personifica o palhaço Gonzalez há um ano para fazer serviço voluntário com a ONG Mensageiros da Alegria, e estava com o rosto pintado e uma cartola na cabeça para arrecadar verbas para projetos sociais.

    Foi o terceiro episódio de hostilidade que ele afirma ter sofrido no último mês, quando uma pegadinha se disseminou como coqueluche no mundo todo, via internet: pessoas estão se vestindo de palhaço assassino e saindo à rua para dar sustos.

    O assunto tem milhões de menções, e dezenas de vídeos, on-line. Algumas escolas americanas proibiram a fantasia de palhaço nas festas de Halloween, o Dia das Bruxas comemorado nesta segunda-feira (31).

    Há rumores de que a primeira aparição brasileira de um palhaço macabro foi perto de um posto de gasolina em Suzano (SP) –a polícia local afirma que não houve registro oficial da ocorrência.

    Mas os profissionais do picadeiro já estão sofrendo com a má fama. O palhaço Sorrisão, que há anos anima crianças internadas em hospitais em Uberlândia (MG), foi agredido com socos e pontapés dentro de um ônibus, enquanto ia para o trabalho. Sorrisão ficou sério e foi à delegacia registrar um boletim de ocorrência.

    "Tinha criança que já chorava, agora muito adulto faz cara feia", diz o palhaço Falanginha, que já trabalhou em circos como o Tihany e hoje faz eventos em lojas de departamento.

    "Há dez dias, quatro molecões me seguraram, numa rua em Perus, e disseram que se eu assustasse alguém ia levar porrada." Ele diz que, desde então, ele e sua trupe preferem sair em grupo quando paramentados.

    MAU GOSTO

    Profissionais de grupos como Doutores da Alegria e de circos grandes, como o Stankowich, declinaram do convite para comentar o assunto. Um deles afirmou que seria "colocar lenha na fogueira" da pegadinha "de extremo mau gosto".

    Com 45 anos de profissão, Rabanete, que além de palhaço é mágico e ventríloquo, afirma que a elite da categoria deve passar batida pela onda de rejeição.

    "Quem sofre esse tipo de coisa é o palhaço de porta de loja, que tem contato com o povo. O profissional de festa, como eu, que faz show no salão de festas em Alphaville ou no Morumbi, não vai ser hostilizado", diz o decano, de 63 anos. "Os clientes me contratam e eu sou a alegria dos filhos deles. Mas coitado de quem está na rua."

    Apesar da hostilidade que tem recebido, Gonzalez diz que não vai sair da rua. Ele, que é praticante de jiu-jítsu antes de ser palhaço, acha que conseguiria se defender caso as ameaças se confirmassem em ataques físicos. "Agora, se for muita gente ou eles tiverem uma arma, aí você vai ver o palhaço sair correndo", declarou ele.

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