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    Megaempreendimento com torres e shopping vira mico milionário em SP

    EDUARDO GERAQUE
    DE SÃO PAULO

    01/11/2016 02h00

    Em vez dos altos espigões residenciais envidraçados, dos escritórios, do shopping e até de uma estação de monotrilho, o gigante terreno na marginal Pinheiros está vazio. No local, perto do parque Burle Marx (zona sul de São Paulo), há um estande de vendas abandonado.

    Embargado há dois anos pela Justiça por problemas ambientais, a realidade do megaempreendimento Parque Global, idealizado para ocupar uma área equivalente a 22 campos de futebol, está muito diferente daquela projetada pelos arquitetos.

    Lançado em 2013, aquele que seria o segundo maior bairro projetado de São Paulo, atrás apenas do Jardim das Perdizes (zona oeste), pretendia movimentar R$ 8 bilhões em vendas. Mais de 300 pessoas compraram apartamentos.

    A cobertura da torre de 42 andares, projetada para ter 560 m², custava R$ 5 milhões.

    Agora, além do terreno vazio que incomoda a vizinhança, há pelo menos 26 ações na Justiça contra os empreendedores –que dizem já ter devolvido o dinheiro a mais de 200 do universo de compradores. A direção da Benx, do grupo Bueno Netto, idealizador do projeto, afirma que o prejuízo da construtora está próximo dos R$ 130 milhões.

    ESTANDE

    "Era impossível entrar naquele estande e não comprar um imóvel. E a reputação da construtora era boa", diz a advogada Alessandra Nuzzo, que tenta desfazer a compra, sem sucesso, desde 2014, quando soube do embargo.

    "Disseram não haver política de distrato de contratos."

    Num dos filmes para vender as torres de apartamentos, a promessa era que o comprador teria uma vista cinematográfica da cidade, da av. Paulista até a represa de Guarapiranga. Nem o cheiro do poluído rio Pinheiros, lá embaixo, seria um problema.

    O projeto chegou a ter as licenças ambientais da Cetesb, agência ambiental estadual, mas depois de um pedido do Ministério Público, em 2014, a obra foi embargada.

    A Promotoria levantou problemas no rito do licenciamento ambiental após moradores do bairro reclamarem do impacto do projeto.

    "O principal problema era a provável contaminação da área por ascarel [produto tóxico usado em transformadores pela Eletropaulo, a antiga dona da área]", afirma a arquiteta Regina Monteiro, do Instituto Ícone, que entrou com uma das ações na Justiça no início do processo.

    A decisão judicial também questionou o fato de os órgãos ambientais terem liberado a derrubada de dezenas de árvores nativas numa área de mata atlântica com mais de 10 mil m² de extensão.

    A canalização de dois cursos de água também recebeu o consentimento de forma indevida, segundo o despacho do juiz.

    Houve uma tentativa do acordo para destravar a obra neste ano, mas o Ministério Público recomendou pela não homologação do documento, que não resolveria os entraves ambientais.

    O terreno consta da lista de áreas contaminadas da Cetesb publicada em dezembro de 2015. No local, tanto o subsolo quanto as águas subterrâneas estão contaminadas. "Não existem políticas públicas para áreas contaminadas. Não sabíamos o quanto de poluição existe, se é um metro quadrado ou uma área enorme", afirma Monteiro.

    "Receber o dinheiro, um dia, quem sabe. Mas morar naquele apartamento que comprei, jamais", diz a advogada Alessandra Nuzzo.

    Luiz Carlos Murauskas-22.ago.2014/Folhapress
    Construção do empreendimento Parque Global, na zona sul de São Paulo; decisão da Justiça suspendeu as obras no local
    Construção do Parque Global, na zona sul de SP, quando a Justiça suspendeu as obras, em 2014

    OUTRO LADO

    O projeto do Parque Global está firme e vai sair quando o imbróglio jurídico for desfeito, diz Luciano Amaral, diretor-geral da Benx, incorporadora do projeto, ligada ao grupo Bueno Netto. O executivo não diz quando isso irá ocorrer. Ele afirma que um sócio internacional no negócio, a empresa imobiliária Related Companies, continua com seu compromisso de investimento.

    O prejuízo, diz, é muito maior do que os R$ 130 milhões que a empresa devolveu aos mais de 300 compradores dos imóveis, porque estão "há dois anos gastando horas e horas de vários profissionais para liberar o projeto", segundo Amaral. A conta pode subir por causa das quase 30 ações que correm na Justiça.

    O corpo jurídico da empresa diz que é inadmissível a opinião de 67 técnicos, que opinaram nos processos judiciais, ser menos importante do que um único, usado pela Justiça e pelo Ministério Público para embargar a obra.

    A dona do Parque Global diz que obteve todas as licenças exigidas para o empreendimento, e que as questões levantadas do ponto de vista ambiental não procedem.

    "Não existe ascarel [produto tóxico] na área. Ali nunca foi depósito de geradores da Eletropaulo. O que existe ali é lodo do rio Pinheiros", diz Pedro Lima, diretor jurídico da Bueno Netto. No lodo existem produtos cancerígenos, segundo laudo da Cetesb.

    Os representantes da empresa dizem que até consultaram especialistas internacionais, como os que trabalharam na descontaminação do parque olímpico de Londres, para saber qual era a melhor forma de limpar a área.

    A resposta dos consultores, explicam os advogados, foi que eles deveriam fazer exatamente o que estava sendo feito no terreno dos prédios.

    Em vez de retirar os 650 mil metros cúbicos de solo com lodo contaminado (um caminhão transporta entre 10 m³ e 12 m³), o ideal seria colocar uma camada de solo novo por cima. Por causa da contaminação presente no solo e na água, árvores que cresceram sobre o lodo ao longo do tempo tiveram que ser retiradas.

    Outra polêmica diz respeito a um córrego canalizado que existe na região. Ele ancora um duto coletor da Sabesp que capta esgoto de várias partes do bairro, antes despejado no Pinheiros. Para o corpo técnico da Bueno Netto, não faz sentido você revitalizar o rio em uma área contaminada, muito menos interferir na obra que a Sabesp fez no local.

    Com o embargo, as obras de remediação também foram paradas, o que causa risco para o entorno, dizem os representantes do projeto do Parque Global.

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