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    Família apura crime e identifica PMs suspeitos de sumiço de jovens no AM

    FABIANO MAISONNAVE
    DE MANAUS

    04/11/2016 02h00

    Depois que os jovens Rita da Silva, 19, Weverton Gonçalves, 21, e Alex de Melo, 25, desapareceram na periferia de Manaus ao entrar em um carro da PM, há cinco dias, familiares e amigos tiveram de investigar sozinhos o crime.

    Sozinhos, encontraram a sandália ensanguentada de um deles, ouviram testemunhas, conseguiram o vídeo da abordagem e até identificaram um dos PMs envolvidos.

    O drama das famílias começou às 4h da manhã do último sábado (29), no bairro Grande Vitória, um emaranhado de ruelas e casas de tijolos à vista, a 12 km do centro de Manaus.

    O vídeo, obtido de um comerciante, mostra que os três estavam na mesma moto quando são parados por PMs em um bloqueio. Eles haviam saído juntos de um show em uma praça do bairro.

    Fabiano Maisonnave/Folhapress
    Carro queimado no sábado (29), em Manaus, em protesto após desaparecimento de três jovens
    Carro queimado no sábado (29), em Manaus, em protesto após desaparecimento de três jovens

    Pouco depois, aparece um segundo carro da PM. Sem resistência, os três são colocados em um dos veículos, que parte. A moto então é conduzida por um dos policiais.

    Um dos familiares que conversaram com a Folha sob a condição de anonimato foi avisado ainda na madrugada por uma testemunha. Essa pessoa também identificou um dos PMs: o tenente Luiz Ramos, 31, conhecido no bairro como Boca de Lata.

    Horas depois, no começo da manhã, familiares e amigos dos desaparecidos começaram a busca numa estrada de terra próxima, por ser esse o local mais usado pela PM na região para a desova de corpos, segundo moradores.

    Lá, encontram uma sandália, identificada pela mãe de Alex, em meio a rastros de sangue. Um morador da região disse aos familiares ter ouvido tiros horas antes.

    As famílias tentaram então registrar a ocorrência na 4ª Delegacia, que divide o prédio com a companhia da PM onde atua Boca de Lata. Os policiais de plantão, no entanto, se recusaram a fazer o registro, alegando que não podiam fazer nada antes de segunda (31), por causa da eleição.

    PROTESTOS

    Revoltados, parentes e amigos organizaram um protesto diante do complexo policial, de onde foram dispersos com tiros de borracha pela tropa de choque da PM. Na confusão, os manifestantes queimaram um carro.

    "Eu estava de joelhos na frente da delegacia, pedindo pelo meu filho, quando um policial atirou com arma de verdade no chão, perto de mim", disse uma das mães.

    Na primeira versão divulgada pela PM, o protesto havia sido orquestrado por traficantes, causando um tiroteio. Celebridade em Manaus –tem 70 mil seguidores no Facebook–, o capitão Alberto Neto afirmou que familiares de traficantes desaparecidos tentaram invadir a delegacia.

    "Esses traficantes, além de trazerem tudo o que não presta para nossa cidade, para nossa família, chegam a causar prejuízos para o cidadão de bem e para polícia até quando desaparecem. Que país é esse?", escreveu, em post com 1.892 compartilhamentos, 4.900 curtidas e 540 comentários até quinta (3).

    PRIORIDADE

    Dos três desaparecidos, apenas Alex, mecânico de profissão, tem passagem na polícia, por narcotráfico. A adolescente de 19 anos é caixa em uma padaria e cursa o terceiro ano do ensino médio. O terceiro desaparecido estava desempregado.

    O tratamento da polícia só começou a mudar quando os familiares conseguiram repassar o vídeo para jornais locais, no domingo. Na segunda-feira, com dois dias de atraso, a Delegacia Especializada em Homicídio e Sequestros entrou no caso.

    Com ajuda das imagens, foram identificados os seis PMs presentes no desaparecimento, incluindo Boca de Lata. Eles continuam soltos, mas transferidos para funções internas. A reportagem não localizou seus advogados.

    Na terça-feira (1°), o secretário estadual de Segurança Pública, Sérgio Fontes, recebeu os familiares em seu gabinete e prometeu dar prioridade máxima às buscas. "Os indícios são fortes de que os jovens foram presos", disse Fontes à Folha. "E o que se pode dizer da prisão pra frente é que eles desapareceram."

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