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    'Não queria vingança', lamenta mãe de guarda estopim para chacina de jovens

    THIAGO AMÂNCIO
    DE SÃO PAULO

    12/11/2016 02h00

    Iara Sabino, 62, suspira forte quando vê a reportagem no portão de casa, em Santo André, na Grande São Paulo. "Quando as coisas parecem que estão se assentando, começa tudo de novo", diz, com os olhos marejados, antes de começar a falar do filho Rodrigo Lopes Sabino, assassinado em frente a essa mesma casa em 24 de setembro, depois de um assalto.

    "Parece que eu estou revivendo tudo, não aguento mais", lamenta. Rodrigo era guarda-civil na cidade do ABC paulista e sua morte pode ter sido o estopim para a chacina de cinco jovens na zona leste.

    Reprodução/Facebook
    O guarda civil Rodrigo Lopes Sabino, de 30 anos, chegava em casa, em Santo André, quando foi abordado por dois homens. Os vizinhos dizem que por volta das 5h ouviram dois disparos. O delegado que investiga o caso afirma que um desses tiros acertou a vítima na nuca. O GCM foi encaminhado para Santa Casa de Santo André, e morreu por volta das 6h. Foto: Reprodução/Facebook ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O guarda civil Rodrigo Lopes Sabino, morto em setembro

    Um guarda da corporação, Rodrigo Gonçalves Oliveira, confessou ter atraído os rapazes para uma emboscada. A hipótese da polícia é que os assassinatos sejam vingança dos agentes à morte do colega. Isso porque uma das vítimas da chacina era investigada pela morte do guarda.

    Vingança era justamente o que Iara não desejava. "Eu não queria isso. É um ato impensado. Vai prejudicar outras pessoas inocentes, as famílias dessas pessoas. Não queria vingança, a morte pela morte. Queria justiça", afirma, entre emocionada em falar do filho e cansada de um crime que tenta esquecer. O pai de Rodrigo, Francisco, 62, emenda, resignado: "Ele não vai voltar mesmo".

    Rodrigo –ou Digo, como também era conhecido– nasceu em Santo André em agosto de 1986, caçula de três irmãos, filho de pai metalúrgico e mãe secretária. E, como um bom caçula, era mimado pelos familiares. "Se eu não fazia alguma coisa, ele corria e pedia para a irmã dele [Rosana], porque sabia que ela faria", lembra a mãe.

    Morou por toda a vida no bairro Jardim Ana Maria e estudou na escola estadual Professora Wanda Bento Gonçalves, na mesma região. Foi lá que conheceu a mulher, Michele Santos, que, abalada pelo crime, mudou-se para a casa da mãe. Casaram-se em 2010 e tiveram um filho, hoje com 3 anos.

    O menino não fala muito do pai. "Não entende direito", diz a avó. Nem sequer foi ao enterro. Michele apenas lhe diz que Rodrigo "está no céu". Outro dia, enquanto brincava, a criança disse, sem que ninguém perguntasse, que o pai estava trabalhando, mas que chegaria logo.

    Sempre sonhou em ser policial. Trabalhou como segurança em empresas e como policial militar temporário. Foi reprovado no concurso da PM mais de uma vez –não passava no teste psicológico.

    Até que, há cinco anos, passou no concurso para a guarda de Santo André. Quando morreu, trabalhava na equipe de seguranças da vice-prefeita, Oswana Fameli, que lamentou em rede social a morte do agente –"era uma pessoa querida de todos e excelente profissional". Para completar a renda da família, fazia bicos de segurança particular à noite.

    Praticante de corrida, competia na capital e no interior. Nos últimos anos, começou a pedalar e entrou na equipe de competição de ciclismo Team Conquista para disputar provas profissionais. Acabara de comprar, junto com a irmã, uma casa em Avaré, no interior do Estado, para passar os fins de semana. A família acabou de rescindir o contrato. "Não faz mais sentido", afirma a mãe.

    Tinha um apartamento em Mauá, também na Grande SP, onde vivia com a mulher e o filho. Com medo da criminalidade na região, passavam a maior parte da semana na casa dos pais, em Santo André. Também reclamava da falta de segurança no bairro da família. A mãe foi assaltada perto de casa, em maio, às 8h, quando ia para o trabalho.

    Cuidadoso e preocupado, Rodrigo dizia para ela sempre olhar para os lados antes de abrir o portão da casa, toda gradeada, em um bairro de classe média baixa e com dois cachorros pequenos, mas barulhentos, que servem de alarme sonoro.

    Eram por volta das 5h de 24 de setembro, um sábado, quando Michele ouviu dois tiros vindos da rua. Levantou desesperada já pensando no marido, que deveria estar voltando para casa naquele horário depois de uma noite de trabalho como segurança.

    Olhou pela janela e viu o corpo de Rodrigo estirado. Desceu as escadas correndo, a porta estava trancada e sem chave. "Nessas horas nada está no lugar", diz Iara. Saíram pelos fundos e alcançaram o agente antes que desmaiasse.

    Bandidos levaram sua arma e seu carro, um Palio Weekend "comprado com muito suor", encontrado depois em chamas no bairro Jardim Santo André, cerca de 8 km dali. A mãe acredita que os bandidos atiraram quando viram seu distintivo da guarda municipal. Um dos tiros não atingiu o alvo. Outro acertou sua cabeça atrás da orelha.

    Foi levado em um carro da PM já desacordado para o Centro Hospitalar de Santo André. No caminho, o veículo quebrou e tiveram que chamar outro carro, para aflição do pai, que estava no veículo. A mãe, nervosa, ficou em casa. Ligou para a filha, Rosana, 36, e contou sobre o crime. Demorou até conseguir falar com o outro filho, Renato, 38, que mora em Goiás. Não conseguiram reanimá-lo. O atestado de óbito diz que Rodrigo morreu às 6h.

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    CRONOLOGIA DO CRIME

    GCM morto
    Em 24.set, o GCM de Santo André Rodrigo Lopes Sabino é assassinado em um roubo, em bairro próximo de onde moravam os 5 jovens vítimas da chacina

    Carro queimado
    Guardas acham o veículo do GCM queimado, também perto de onde moravam os rapazes, e descobrem o nome de dois jovens que estariam envolvidos no latrocínio

    Emboscada
    O GCM Rodrigo Gonçalves Oliveira usa perfil falso no Facebook, se passando por uma garota, para combinar de encontrar os rapazes em uma festa

    Sumiço
    Em 21.out, eles desaparecem após saírem para a suposta festa, por volta das 23h

    Página excluída
    O perfil da garota que combinou o encontro é apagado da internet

    Corpos encontrados
    No dia 6.nov, os 5 corpos são achados em Mogi das Cruzes (Grande SP), com projéteis de calibres 38 e 12, usados por guardas municipais do país

    GCM preso
    Na noite de quinta (10), o guarda Oliveira é preso e tem prisão temporária decretada por 30 dias

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