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    TJ mantém absolvição de acusados por cratera que matou sete no metrô de SP

    ROGÉRIO PAGNAN
    GUILHERME ZOCCHIO
    DE SÃO PAULO

    17/11/2016 15h23 - Atualizado às 20h16

    Luiz Carlos Muraukas - 12.jan.2007/Folhapress
    Perfil - Salva-vidas - Coronel Jair Paca de Lima - ORG XMIT: 182901_1.tif Desastre nas obras da linha 4-amarela do metrô: vista aérea mostra cratera que se abriu após desabamento das obras da linha 4 do Metrô, na rua Capri, em Pinheiros (SP). As obras na linha 4, que vai interligar as estações desde a Vila Sônia à Luz desabou engolindo um micrônibus com 7 passageiros, pessoas que estavam passando na rua e casas perto do local. (São Paulo - SP, 12.01.2007 - Luiz Carlos Muraukas/Folhapress - Digital)
    Vista aéra mostra cratera que se abriu após desabamento das obras da linha 4 do metrô

    O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a absolvição de todos os acusados pelo acidente nas obras da linha 4-amarela do metrô, que deixou sete mortos em janeiro de 2007, no começo do governo José Serra (PSDB).

    A decisão, por 2 votos a 1, foi tomada nesta quinta (17), em resposta a recurso da Promotoria, que pedia a condenação de 12 pessoas ligadas às construtoras ou ao Metrô.

    Os réus já haviam sido absolvidos na primeira instância, em maio deste ano –na ocasião, 14 foram inocentados; para dois deles, não houve nem recurso do Ministério Público para a revisão da sentença em segunda instância.

    A tragédia nas obras da estação Pinheiros foi a maior da história do metrô paulista.

    Entre os 12 acusados alvo de julgamento no Tribunal de Justiça havia 3 funcionários da estatal (de médio ou baixo escalão, como gerentes e fiscais, mas ninguém da cúpula) e 9 das empreiteiras ou de terceirizadas (engenheiros, projetistas e um diretor).

    As obras na linha 4-amarela eram de responsabilidade do Consórcio Via Amarela, liderado pela Odebrecht e integrado também por OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.

    Para dois desembargadores do TJ, Fernando Simão e Alberto Anderson Filho, há dúvidas se os técnicos da obra poderiam prever a cratera. Eles avaliam que não ficou provada a culpa dos réus.

    Simão argumentou que deixar de punir os réus pode gerar "certo desconforto, incômodo dos leigos", mas que os juízes não podem se influenciar por isso. "Uma condenação, com preocupação de dar satisfação social, diante de tamanha tragédia, por si, não se justifica", afirmou.

    Ele ressaltou os impactos na reputação dos acusados. "Mesmo porque de uma tragédia poderia surgir outra, qual seja o desmoronamento profissional de pessoas reconhecidamente capacitadas."

    Outro desembargador, Freitas Filho, que foi voto vencido, considerou que as provas existentes no processo não deixam dúvidas de que a abertura da cratera só ocorreu "por falhas do projeto e da execução da obra", "bem como pelas desconsiderações do quadro de instabilidade e aumento do ritmo e velocidade das detonações".

    O procurador Carlos Talarico, representante do Ministério Público, disse ainda não saber se a instituição vai recorrer. Como a decisão não foi unânime no TJ, uma das possibilidades de recurso, segundo ele, pode ser um pedido de nova sessão no tribunal, com a convocação de outros magistrados para opinar.

    'O MAIS FORTE'

    Seis das sete vítimas do acidente não trabalhavam na obra –eram pessoas que passavam pela vizinhança e acabaram engolidas pela cratera.

    "Neste país parece que sempre ganha o mais forte, disse à Folha Silvio Antônio de Azevedo, 45, filho da aposentada Abigail Rossi de Azevedo, uma das sete vítimas.

    "O mais triste de tudo isso é, com essas decisões, erros desse tipo [em obras públicas] voltarem a ser cometidos novamente", afirmou.

    Celso Alambert, 67, pai de Mario Rodrigo Alambert, outra vítima da tragédia, também disse que a decisão do TJ deixa sensação de impunidade. "Se são inocentes, então que apareçam os culpados. Alguém tem que ser punido."

    Familiares de outras duas vítimas procurados pela reportagem preferiram não dar entrevista sob a justificativa de que o episódio trazia muitas lembranças tristes.

    Questionado sobre a situação das famílias das vítimas, Carlos Talarico, do Ministério Público, disse que aceitar os resultados de decisões da Justiça faz "parte das regras do sistema democrático".

    "A posição do promotor de Justiça é de combater a decisão judicial dentro do processo e não atacar a decisão judicial fora do processo."

    A sustentação oral dos funcionários do consórcio ficou a cargo do advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira, que defendeu a tese de imprevisibilidade do acidente.

    "Se é obra de Deus, se é obra do destino, se é o azar, não se sabe. Mas nem sempre, quando há uma fatalidade, quando há morte, quando há um desastre, quando há uma tragédia, é preciso que haja culpados. O imponderável está presente nas nossas vidas."

    PROPINA

    Conforme revelou a Folha nesta quinta, profissionais ligados a três das construtoras do consórcio que fez a linha 4 apontam que representantes de empreiteiras envolvidas no acidente negociaram propina com um advogado que se dizia intermediário de um promotor de Justiça.

    Um dos nomes citados dizia representar o então promotor Ruy Pires Galvão Filho.

    À época do acidente, Galvão integrava a equipe de promotores do foro de Pinheiros (zona oeste), responsável pelo caso. Ele nega ter atuado na apuração, apesar de ter assinado papéis da investigação.

    A cúpula do Ministério Público abriu investigação sobre um suposto pagamento de propina no mês passado, após a Folha revelar que documentos obtidos pela PF mostravam indícios de suborno.

    No julgamento desta quinta-feira, nenhum dos magistrados ou representante do Ministério Público se manifestaram sobre as suspeitas de corrupção investigadas pela própria Promotoria.

    OUTRO LADO

    O procurador Galvão Filho nega ter negociado vantagens a empreiteiras na investigação do maior acidente da história do Metrô e diz que nunca poderia ter favorecido as construtoras porque não atuou no caso.

    Segundo nota da Promotoria, o "episódio de 2005 foi devidamente investigado pela Corregedoria do Ministério Público. O procedimento foi arquivado, uma vez que nada se apurou contra a atuação do membro do MPSP".

    O advogado Ismar Marcílio de Freitas Jr., apontado por representantes das empreiteiras como o intermediário na negociação da propina nas apurações sobre o acidente, diz que não atuou no caso.

    "Na época do acidente eu estava fora de São Paulo. Nunca advoguei para empresas, nunca estive na Odebrecht ou OAS. Não tenho contato com ninguém dessas empresas", afirma.

    Freitas Jr. diz que conhece Galvão e defende-o. "Ele nem atuou nesse caso", diz, repetindo a versão do promotor.

    O ex-advogado da Odebrecht, Fernando Maximiliano Neto, apontado como negociador pelas construtoras, afirmou à Folha que preferia não se manifestar.

    A Camargo Corrêa, OAS e Odebrecht não quiseram se pronunciar.

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    Cronologia

    12.jan.2007
    Desabamento nas obras da linha 4-amarela do metrô em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, mata sete pessoas

    Entre 2007 e 2008
    Ministério Público de SP investiga o caso, concluindo que, desde dez.2006, já havia sinais de que o terreno estava cedendo

    Jan. e fev.2009
    Promotores denunciam 14 pessoas (cinco funcionários do Metrô e nove do consórcio construtor ou de terceirizadas)

    11.mai.2016
    Juíza acata a tese do consórcio de que terreno era imprevisível e inocenta os 14 acusados; falta julgar indenização

    19.out.2016
    A Folha revela que documentos apreendidos pela PF sugerem suborno a promotores por empreiteiras; MP abre inquérito

    17.nov.2016
    Tribunal de Justiça de São Paulo julga o caso em segunda instância e mantém a absolvição de todos os acusados

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