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    'Sempre ganha o mais forte', diz filho de vítima após absolvições por cratera

    GUILHERME ZOCCHIO
    DE SÃO PAULO

    17/11/2016 23h00

    "Neste país, parece que sempre ganha o mais forte". A afirmação de Silvio Antônio de Azevedo, que teve a mãe engolida e morta pela cratera da linha 4-amarela do metrô de São Paulo, reflete a sensação de impunidade de parentes das vítimas diante da decisão do Tribunal de Justiça de manter, nesta quinta-feira (17), a absolvição de 12 acusados pelo acidente.

    O desabamento da obra deixou sete mortos em janeiro de 2007. Seis das vítimas não trabalhavam na construção -eram pessoas que passavam pela vizinhança. A tragédia na estação Pinheiros é considerada a maior da história do metrô paulista.

    Filho da aposentada Abigail Rossi de Azevedo, que caminhava pela rua quando a construção desse trecho da linha 4 ruiu, Silvio diz que a sentença do TJ reforça a desconfiança com futuras obras. "Para mim, [o acidente] foi um crime", afirma. "O mais triste de tudo isso é que, com essas decisões, erros desse tipo [em obras públicas] podem voltar a ser cometidos novamente."

    A decisão do Tribunal de Justiça, por 2 votos a 1, foi tomada em resposta a recurso da Promotoria, que pedia a condenação de 12 pessoas ligadas às construtoras ou ao Metrô.

    Os réus já haviam sido absolvidos na primeira instância, em maio deste ano –na ocasião, 14 foram inocentados; para dois deles, não houve nem recurso do Ministério Público para a revisão da sentença em segunda instância.

    No julgamento desta quinta, a Promotoria afirmou que os acusados pelo episódio sabiam da possibilidade de acontecer um desabamento no local.

    Quando a obra começou a ruir, funcionários da obra foram retirados, mas não foi adotada medida de segurança no entorno. Para a Promotoria, a interdição de ruas evitaria a maioria das mortes, já que seis das sete vítimas passavam pela região.

    "Estavam sabendo o que podia acontecer e continuaram a construção. No mínimo, deveria ter sido interditada", afirmou Celso Alambert, pai de Mario Rodrigo Alambert, que morreu enquanto aguardava pelo transporte público em um ponto de ônibus próximo.

    Ele também disse que a decisão do TJ deixa a sensação de impunidade. "Se são inocentes, então que apareçam os culpados. Alguém tem que ser punido."

    A defesa dos acusados, porém, argumentou que "nem sempre, quando há uma fatalidade, quando há morte, quando há um desastre, quando há uma tragédia, é preciso que haja culpados". "O imponderável está presente nas nossas vida", declarou o advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira no julgamento.

    Marli Aparecida Leite, irmã de outra vítima, disse que, independentemente de haver um culpado ou não, uma tragédia do tipo não deveria se repetir.

    "O que eu gostaria é que se evitasse cometer esse tipo de erro, porque alguém paga muito caro por eles", afirmou. Ela perdeu o irmão, o motorista Reinaldo Aparecido Leite, que dirigia a van engolida pela cratera aberta na rua.

    Marli relatou em depoimento à Folha no mês passado que, como num efeito dominó, a família acabou destruída depois da tragédia –parentes entraram em depressão ou ficaram afastados uns dos outros. "A gente tem que juntar os cacos que sobraram e sobreviver com eles."

    A reportagem ainda tentou contato com familiares de outras duas vítimas, que preferiram não dar entrevista sob a alegação de que o episódio trazia muitas lembranças tristes.

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    Cronologia

    12.jan.2007
    Desabamento nas obras da linha 4-amarela do metrô em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, mata sete pessoas

    Entre 2007 e 2008
    Ministério Público de SP investiga o caso, concluindo que, desde dez.2006, já havia sinais de que o terreno estava cedendo

    Jan. e fev.2009
    Promotores denunciam 14 pessoas (cinco funcionários do Metrô e nove do consórcio construtor ou de terceirizadas)

    11.mai.2016
    Juíza acata a tese do consórcio de que terreno era imprevisível e inocenta os 14 acusados; falta julgar indenização

    19.out.2016
    A Folha revela que documentos apreendidos pela PF sugerem suborno a promotores por empreiteiras; MP abre inquérito

    17.nov.2016
    Tribunal de Justiça de São Paulo julga o caso em segunda instância e mantém a absolvição de todos os acusados

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