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    Presos do RS lançam facção em nome do 'lado certo da vida errada'

    FERNANDA CANOFRE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PORTO ALEGRE

    18/11/2016 13h29

    "Nosso comando tem compromisso primeiramente com o lado certo da vida errada, pois nesta data de hoje está formada uma facção com respeito de todos", para "buscar espaço no cumprimento da pena com a segurança de todos os seus membros".

    Casos de esquartejamento, assassinato de mulheres e toques de recolher na disputa entre facções rivais no Rio Grande do Sul, a disputa por espaço e os casos de violência nos presídios do Estado levaram um grupo de presos a lançar um comunicado e uma nova facção: o CPC (Comando Pelo Certo).

    O texto enviado à fiscalização dos presídios de Porto Alegre –e endossado por 828 presos– diz que o novo grupo "tem compromisso com o lado certo da vida errada", para garantir segurança no cumprimento das penas de seus membros "espalhados em várias prisões desse Estado". O manifesto ainda segue: "O surgimento deste grupo é para o bem de todos, para o bem da sociedade, pois é para a sociedade que devemos nosso maior respeito".

    O manifesto surgiu de detentos de três unidades do Estado, incluindo o Presídio Central de Porto Alegre, que já foi considerado por uma CPI da Câmara dos Deputados como o pior do Brasil.

    A crise na segurança no Rio Grande do Sul, com presídios superlotados e carceragem de delegacias servindo de prisão, faz com que presos sejam abrigados nos porta-malas em carros de polícia. Neste mês, o governo gaúcho decidiu que usará contêineres para abrigar detentos.

    Os episódios de violência viraram rotina no Estado. Só este ano, foram registrados pelo menos dez esquartejamentos em Porto Alegre, segundo a Polícia Civil.

    Em um deles, no início de agosto, policiais do bairro Rubem Berta, o mais populoso de Porto Alegre, encontraram a cabeça de um homem dentro de uma sacola. Apenas cinco dias antes, o bairro da zona norte havia sido palco de um fim de semana sangrento –oito mortes em 26 horas. Segundo a polícia, tratou-se de um acerto de contas entre grupos rivais.

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    Também no começo daquele mês, em uma página no Facebook, moradores do bairro Mário Quintana, um dos mais pobres da capital, avisaram: "Os comércios grandes e pequenos fecharam as portas no Mário Quintana, Leopoldina, Morro Santana e mais bairros da Zona Norte! O Crime ditou a Lei no dia 4 de Agosto de 2016 e o Governo se Calou".

    SUPERLOTAÇÃO

    O manifesto dos presos começou a circular no início de outubro. Apesar de não divulgar o documento, a Susepe (Superintendência de Serviços Penitenciários) confirma que ele é autêntico. O órgão se manifestou apenas por meio de nota dizendo que "identifica e monitora possíveis integrantes de supostos grupos envolvidos em crimes". O secretário de Segurança Pública, César Schirmer, definiu a atitude do grupo como "um deboche".

    Para a Polícia Civil, o grupo é ainda "sem expressão". Ainda assim, em entrevista à Folha, o delegado Paulo Grillo, responsável pelo Departamento de Homicídios, disse reconhecer que as mortes violentas, criticadas pelos presos do CPC, aumentaram.

    "Nós temos hoje grupos que se digladiam. Eles têm provocado baixas de lado a lado e algumas dessas mortes com requinte de crueldade", diz Grillo.

    Segundo o Ministério Público, o Estado tem um déficit de 10 mil vagas e um índice de superlotação mínima de 100% –há unidades com três vezes mais detentos. Para o promotor Luciano Pretto, é o pior momento de violência nas cadeias gaúchas. "Todas as facções estão sofrendo hoje com essa violência brutal. A coisa chegou a um nível tamanho de violência que eles mesmos estão nessa tentativa de mudar."

    O promotor diz ainda não ter percebido um impacto da nova facção nos presídios, mas acredita que o efeito venha primeiro nas ruas. O último caso de esquartejamento na capital ocorreu no mesmo dia de lançamento do comunicado do grupo.

    Na periferia, moradores refletem o temor descrito no manifesto dos detentos. "A comunidade em si se sente apavorada, se sente atirada em um canto. O nosso canto é conhecido como os leprosos, as piores partes de Porto Alegre removidas vieram parar aqui", disse um morador do bairro Quintana, que pediu anonimato.

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