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    Para frear custos, planos e hospitais testam novo modelo de pagamento

    CLÁUDIA COLLUCCI
    DE SÃO PAULO

    09/12/2016 02h00

    Diante da grave crise e do aumento recorde de custos, planos de saúde e hospitais estão testando um novo modelo de remuneração que levará em conta a qualidade da assistência prestada, e não mais a quantidade de procedimentos realizados.

    Hoje, vigora o "fee for service" (pagamento por serviços). Quanto mais insumos um hospital utiliza, mais o plano paga. Isso estimula o desperdício e o aumento de custos para os planos e, no final, para os usuários.

    A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) diz estar preparada para iniciar a implantação do novo modelo até o fim de 2017. A entidade, junto à Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), realiza projeto piloto que deve estar pronto em março.

    Danilo Verpa - 22.jun.16/Folhapress
    Fachada do hospital Albert Einstein, em SP, que já vem testando um novo modelo de avaliação dos serviços prestados
    Fachada do hospital Albert Einstein, em SP, que já vem testando um novo modelo de avaliação

    O modelo proposto pelos planos é o DRG (Grupos de Diagnósticos Relacionados, numa tradução livre), um sistema que vigora em 20 países, entre eles Estados Unidos, Austrália e África do Sul.

    Ele reúne grupos de pacientes com as mesmas doenças e características e estabelece um valor fixo a ser pago pelo tratamento. Por exemplo: tratar um homem de 40 anos com pneumonia, sem outros problemas de saúde, seria mais barato do que tratar um idoso de 80 anos, cardiopata e que toma dez remédios/dia.

    Também existem compensações financeiras para hospitais com melhores indicadores de qualidade, como menores taxas de infecção hospitalar, de mortalidade e de eventos adversos.

    Segundo Bruno Maciel, diretor da consultoria PwC, responsável pelo projeto piloto, situações em que o desfecho clínico não é tão previsível –como um bebê prematuro internado na UTI neonatal–, continuarão remuneradas com base no "fee for service".

    Ele diz que nos países que usam o DRG, de 20% a 30% das contas são pagas por serviços. "São modelos híbridos, mas o DRG prevalece."

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    ENTENDA MUDANÇA NA SAÚDE

    COMO É HOJE: Prevalece o sistema de pagamento por serviço, em que o hospital recebe pelos procedimentos e itens usados

    PROBLEMAS: A qualidade não é considerada, e há desperdício e aumento de custo para o plano, que repassa a conta ao usuário

    VANTAGENS: Para situações clínicas mais imprevisíveis, o pagamento por serviço segue sendo a melhor alternativa

    O NOVO MODELO: Classifica grupos de pacientes com as mesmas doenças e características e estabelece um valor fixo a cada tratamento

    PROBLEMAS: Pode incentivar que hospitais usem produtos piores para obter lucro e gerar recusa de pacientes mais complexos

    VANTAGENS: Contém os custos médicos, melhora a eficiência, diminui os tratamentos excessivos e aumenta a transparência

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    INSUSTENTÁVEL

    Pedro Ramos, diretor da Abramge, diz que o atual "fee for service" é insustentável. "A galinha dos ovos de ouro está morrendo. Nós pagamos 97% das contas hospitalares e não vamos abrir mão dessa mudança. Mas tem de haver honestidade de todos [planos, hospitais e fornecedores]."

    Com a crise, os planos de saúde perderam quase 2 milhões de usuários e enfrentam aumento recorde de custos, puxados pelo avanço das despesas médico-hospitalares.

    Para Luiz Carneiro, superintendente do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), além da redução de custos, o DRG dará mais transparência à qualidade da assistência de um hospital. "Hoje não sabemos, por exemplo, qual a taxa de infecção hospitalar e de reinternação."

    O Hospital Israelita Albert Einstein testa o DRG há um ano como ferramenta de avaliação do consumo de recursos de acordo com a complexidade dos casos clínicos.

    Segundo Sidney Klajner, recém-eleito presidente do Einstein, o modelo tem permitido comparar a prática médica assistencial e a eficiência de um tratamento.

    "Com ele, os hospitais terão que assumir a responsabilidade por complicações evitáveis que o paciente possa ter por falta de um processo de segurança interno."

    Francisco Balestrin, presidente da Anahp (Associação Nacional dos Hospitais Privados), diz ser preciso mudar a forma de remuneração, que o atual modelo gera desperdícios, mas tem ressalvas sobre o DRG. "Ele implica mudar todo o sistema de informação de um hospital. Isso não é barato e leva tempo."

    PEÇA-CHAVE

    A mudança no modelo de remuneração é considerada a peça-chave para uma nova forma de assistência que está em curso em vários países do mundo, chamada de cuidados de saúde baseados em valor (VBHC, em inglês).

    Na semana passada, a consultoria The Economist Intelligence Unit divulgou em Miami um estudo patrocinado pela Medtronic em que avaliou a situação dos sistemas de saúde de 25 países –na América Latina, Brasil, Chile, Colômbia e México.

    Segundo David Humphreys, diretor da consultoria, os países latino-americanos têm baixo alinhamento com esses novos princípios –apenas a Colômbia teve classificação moderada. "Existem boas iniciativas, como a implantação dos registros eletrônicos no Brasil, mas ainda há muito o que avançar."

    O estudo analisou 17 indicadores, como cuidados integrados e concentrados no paciente e medição de resultados e despesas.

    Para a médica Ana Maria Malik, coordenadora da FGV saúde, o Brasil precisa avançar na melhoria e transparência das informações. "Mas a questão é que sistemas de informação mostram coisas que não gostamos de ver. Por isso, há tanta resistência."

    A avaliação geral é que as atuais abordagens não são eficientes nem sustentáveis. Os sistemas ainda recompensam o volume de atendimentos, não o valor do cuidado.

    Em geral, são fragmentados, desconectados e caros. Pacientes crônicos, por exemplo, podem ter o mesmo exame pedido várias vezes pelos diversos especialistas que estão consultando, o que gera enorme desperdício.

    Para enfrentar esses desafios, países como os EUA criaram novas métricas e já recompensam a qualidade, não o volume dos serviços.

    Hugo Villegas, presidente da Medtronic na América Latina, diz que a empresa tem feito várias parcerias com sistemas de saúde que permitam ampliar o acesso a produtos e serviços de alta qualidade com uma boa relação de custo e benefício.

    Na Holanda, por exemplo, participa de uma iniciativa que busca melhorar os cuidados à saúde de 1.800 pacientes com diabetes tipo 1. "Conseguimos baixar a hipoglicemia em 82%, o reingresso nos hospitais em 51% e os custo desses pacientes em 9%."

    Segundo Villegas, a empresa só é remunerada se consegue demonstrar os bons resultados clínicos.

    No Brasil, a Medtronic participa de um projeto piloto com médicos, seguradoras e hospitais privados em que vai avaliar o tratamento de um grupo de pacientes cardíacos e definir o desfecho clínico esperado após 18 meses.

    "Eles serão tratados e continuarão sendo acompanhados após a alta. Se não tiverem complicações e o tratamento se mostrar efetivo, aí a equipe será remunerada."

    Mas é factível para empresa esperar 18 meses para ser remunerada? "É uma grande mudança, difícil, mas é factível. Estamos convencidos de que temos que mudar o modelo de negócios. A sustentabilidade do setor também será a nossa como empresa."

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