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    Procura por desaparecidos trava por falta de cadastro e legislação específica

    THAIS LAZZERI
    COLABORAÇÃO PARA FOLHA

    11/12/2016 02h10

    Já era madrugada de 11 de julho de 2013 quando Kaio Alves Bispo, 17, disse à mãe, Débora, 40, que sairia com amigos, mas voltaria rápido.

    Como um presságio, a noite passou em sobressaltos para essa camareira de Itanhaém, litoral sul de São Paulo.

    De manhã, a mulher decidiu procurar a polícia. Na delegacia, ela lembra ter sido orientada a visitar o Instituto Médico Legal e os hospitais da cidade. Nada encontrou.

    Passados três anos, ele agora faz parte da estatística de milhares de desaparecidos no país. "Dizem que meu filho está morto, e nunca vou saber, porque essa busca é solitária", afirma a mãe.

    De janeiro a outubro deste ano, 21.913 boletins de ocorrência de desaparecimento foram registrados no Estado de São Paulo. Isso equivale a três pessoas por hora que perdem o convívio com suas famílias.

    De janeiro de 2013 a dezembro de 2015, eram dois os desaparecidos por hora em São Paulo.

    CASOS EM SÃO PAULO - Boletins de desaparecimento no Estado, entre jan.2013 e dez.2015

    Esses são resultados preliminares do Plid (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos), ação mantida pelo Ministério Público de São Paulo.

    Para quem, como Débora, procura as autoridades, há pouca esperança de que algo seja feito. De acordo com o Ministério Público Estadual, a falta de um cadastro unificado e de uma legislação específica faz as investigações não prosperarem. "Todo mundo achava que com um B.O. em mãos o filho seria procurado, mas não. O B.O. era engavetado, e a família não sabia", afirma Eliana Vendramini, coordenadora do programa.

    Até março de 2015, os boletins de ocorrência sem indício de crime relativos a crianças até 12 anos e pessoas com deficiência mental não geravam investigação. "A polícia usava o Código Penal, que não prevê desaparecimento como crime, como muleta para não investigar", diz Eliana.

    Em outubro deste ano, o promotor da infância Eduardo Dias protocolou uma ação civil pública para que a busca ativa de adolescentes em São Paulo aconteça. "O Estatuto da Criança e do Adolescente define o conceito de desaparecimento desde 2005. Os jovens precisam ser protegidos pelo Estado", diz.

    CADASTRO UNIFICADO

    Em breve, fotos de pessoas desaparecidas começarão a ser exibidas no aplicativo de trânsito Waze. A ajuda é bem-vinda em um país que não tem um banco de informações unificado. "O banco reduziria o tempo de espera das famílias", disse o secretário de Justiça e Cidadania, Marcio Elias Rosa, em conferência.

    Dados da Polícia Civil, por exemplo, não são compartilhados com a Polícia Militar, o Serviço de Verificação de Óbitos e o Serviço Funerário. O entrave no IML é ainda pior.

    "Para uma família ter certeza de que o parente não está morto, precisa visitar, no mesmo dia, as 72 unidades do IML do Estado", diz Eliana.

    O Plid faz a vez de banco de dados na ausência de ações do Executivo. Mas caminha a passos lentos.

    No Rio, onde o programa começou em 2010, o governo não interage com a Promotoria. "No Rio somem, em média, 500 pessoas por mês. Nosso banco tem apenas 3% dos inquéritos", diz o criador, André Luiz de Souza Cruz.

    Dos 18 Estados que mostraram interesse em desenvolver o programa, apenas três o implantaram (SP, AM e PA).

    Graças ao esforço do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), diz Cruz, os Estados estão sendo mais receptivos. A ação abriu novas possibilidades, como a criação de um banco de dados com o Ministério da Justiça. "Já sinalizaram interesse e disseram que têm verba", diz Eliana.

    UNIFICAÇÃO

    O Ministério da Justiça afirmou, em nota, que os registros de pessoas desaparecidas são feitos pela Polícia Civil em cada Estado, e os dados não são integrados.

    "Por isso, é preciso checar com cada unidade da Federação as informações sobre desaparecidos", como José Ribamar, que procura pelo filho, tem feito nos últimos meses.

    Na prática, não existe no Brasil um banco consolidado de pessoas desaparecidas. O atual ministro da pasta é Alexandre de Moraes, ex-secretário da Segurança do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

    O único cadastro que o Brasil teve até hoje é de 2009, e dependia das famílias, que tinham que fazer o registro num computador. O site permanece no ar com 370 cadastros de 20 Estados.

    A unificação desses boletins, diz a nota, "é um projeto em andamento, que deverá ser concluído no ano que vem". Sobre a investigação de vulneráveis, que é obrigatória mas não acontece, o ministério são se pronunciou.

    A Secretaria da Segurança do Estado de São Paulo informou que, entre janeiro e outubro deste ano, houve 20.226 registros de encontro de pessoas (corresponde a desaparecidos em anos distintos).

    Também confirmou que o sumiço de adolescentes não é investigado na ausência de suspeita de crime –menores de idade são considerados vulneráveis pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

    PROGRAMA

    A secretaria disse que um novo programa de desaparecidos, o GDL (Gestor de Documentos e Laudos), funcionará junto ao DHPP. O serviço, diz a nota, atua na capital e na grande São Paulo e está sendo implantado no interior. Sobre o cadastro do IML (Instituto Médico Legal), que não é unificado, não houve pronunciamento.

    Erros cometidos no caso do filho de José Ribamar, como a recusa em registrar o boletim de ocorrência no desaparecimento, diz a nota, serão investigados. A Polícia Civil de Ribeirão Preto encaminhou o caso para investigação pela delegacia de Sertãozinho.

    Procurada, a Secretaria de Estado da Segurança do Rio não se pronunciou até a conclusão desta edição.

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