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    Terminal Tietê vira 'Central do Brasil', e voluntário ajuda com cartão de Natal

    ROBERTO DE OLIVEIRA
    DE SÃO PAULO

    20/12/2016 02h00

    A ida ao Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo, num sábado quente e abafado, tinha como propósito conferir os preços da passagem para o Rio de Janeiro. É na cidade maravilhosa que o casal Valmir, 41, e Maria Joselene Barbosa, 38, planeja passar a virada do ano.

    Em meio à azáfama típica da rodoviária, Maria sentiu-se atraída por um serviço ali oferecido pelo grupo de voluntários da Federação de Bandeirantes do Brasil, bancado pela administração do terminal rodoviário.

    Num cercadinho decorado com as cores de Papai Noel, jovens ajudam os passantes a escrever cartões de Natal, atividade que Dora, a personagem de Fernanda Montenegro no filme "Central do Brasil", exercia mediante remuneração. Na vida real, o serviço é gratuito, bem como o cartão e o seu envio.

    Nos últimos 16 anos, foi despachado do caixotão de concreto que abriga o terminal, por onde circulam cerca de 100 mil pessoas diariamente, nada mais nada menos que um total de 59 mil cartões destinados a todos os recantos deste país.

    Cerca de 15% das pessoas dali não sabem escrever e ditam a mensagem, mas há aqueles que também não sabem o que dizer. Nesse caso, eles podem escolher em uma lista com 36 sugestões uma frase natalina, que será copiada em letra manuscrita no cartão selecionado entre os três modelos disponíveis.

    Não faltam crianças que enviam mensagens calorosas ou pedidos ao bom velhinho.

    Vestindo o tradicional uniforme azul-escuro, lencinho verde adornando o pescoço, a estudante Fabiana Pereira, 16, saiu de Alumínio (SP) para vir participar do projeto. Sua recompensa está de acordo com o espírito do Natal: "É gratificante ver que um simples cartão, com palavras de carinho e respeito, pode aproximar vidas", sintetiza.

    A maioria dos usuários do serviço envia as felicitações de fim de ano a familiares que vivem longe de São Paulo. A história de Maria, no entanto, é um pouco diferente. Quem receberá a sua lembrança de Natal será uma amiga, a quem ela sente ter grande dívida de gratidão. Nascida em Garanhuns, no agreste pernambucano, Maria conheceu Valmir, de Caruaru, 18 anos atrás.

    O rapaz já morava em São Paulo, e a distância entre os dois foi vencida graças às cartas de amor trocadas durante um ano, tempo do namoro que, em seguida, evoluiu para a troca de alianças na tradicional igreja de sua cidade. Com a bênção dos pais, Manoel e Maria José, gente simples, da roça, Maria pôde mudar-se para São Paulo, onde viveria ao lado do marido.

    Quando chegou à metrópole, ela, que é manicure, viu-se perdida em meio a "tanta gente, tanto carro, tanto prédio". Longe da família, sentia-se só. Queria –e ainda quer– engravidar, mas até agora o casal não realizou seu sonho, um pedido de Natal.

    CARTÕES DE NATAL DO TIETÊ - Para onde os cartões são enviados

    CHEGADAS E PARTIDAS

    Não conseguia sair de casa, tampouco fazer amigos. Sentia-se rejeitada pela cidade. "Nordestino sofre, sim, preconceito em São Paulo. Parece até que a gente fala outro idioma", diz o marido. Em pouco tempo, desenvolveu um quadro de depressão e síndrome do pânico.

    Foi na vizinha, Raimunda Maria de Jesus, baiana de Itajuípe, que Maria encontrou amparo. Respeitando os limites da amiga, Raimunda a conduzia a cada canto.

    Um dia, as duas entravam num ônibus de Guarulhos, onde vivem, para descer em São Paulo. No outro, lá estavam elas nas galerias subterrâneas do metrô. Na saída, punham-se a mirar os prédios da avenida Paulista até quase "quebrar o pescoço".

    Logo, Raimunda, aposentada, hoje aos 67 anos, virou um "par de pernas". Mais que isso: "Uma segunda mãe", nas palavras de Maria. "Nesta época, todo mundo pensa na família. Meus pais estão lá, em Garanhuns. Não vamos visitá-los neste ano", diz ela, emocionada.

    "Olhando para essa gente que vem e vai embora, eu me lembrei da minha chegada. Foi difícil demais. Meu cartão de Natal segue para Raimunda. Sem ela, não estaria aqui, escrevendo esta mensagem."

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