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    Folha Verão

    Moradores aproveitam nascente para improvisar cascata em rua da Pompeia

    ROBERTO DE OLIVEIRA
    DE SÃO PAULO

    28/12/2016 02h00

    Em ex-terra da garoa, coberta de asfalto e concreto, quem tem água faz a festa. Passava das 13h quando o sol de 35ºC criava miragens no asfalto fervente da Salto Grande, uma ladeira íngreme entre tantas outras da Pompeia, zona oeste paulistana.

    Mas não era ilusão de ótica o que ali se via: um grupo de 30 pessoas, muitas delas de biquíni, maiô e sunga, banhando-se sob uma cascata improvisada no meio da rua.

    Sentada numa cadeira de praia, cervejinha gelada na mão, a educadora Rosara Frenk, 60, explicou que, além de se divertir, o encontro fresco tinha também um propósito político. "Eu amo água. Dói o coração ver toda essa água que jorra pela cidade sendo desperdiçada."

    Explica-se: a água que abasteceu a piscina e a cascata improvisada no meio da rua Salto Grande, na tarde desta terça-feira (27), vinha diretamente da bica do Cidão.

    Ela é uma das nascentes do córrego da Água Preta, de onde jorram, segundo estimativa dos organizadores, cerca de mil litros de água por hora. Naquela região, existem 13 fontes de água, dizem.

    A praça Homero Silva, que fica no finalzinho da rua Salto Grande, ganhou até um subtítulo em homenagem a tanta água que brota do seu solo: "Praça da Nascente".

    Ligada à bateria do carro do artista Flavio Barollo, 39, uma bomba de sucção levava a água para uma piscina e para uma caixa d'água, cada uma delas com capacidade para mil litros. De lá, uma outra bomba aspirante jorrava a água a cerca de 10 metros de altura, criando, assim, a cascata no asfalto e a festa.

    Além de Flavio, entre os organizadores da cachoeira de rua da Pompeia está o professor Wellington Tibério, 40.

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    Os dois fazem parte do coletivo (Se) Cura Humana. Gerado durante a crise hídrica paulistana, o grupo promove performances e intervenções urbanas e culturais tendo a água como mote.

    "Estamos salvando essa água que iria direto para a boca-de-lobo e, de lá, seguiria para o meio do esgoto no rio Tietê", explica Barollo. Tanto ele quanto Tibério alegam que aquela água é limpa, mas não existem, por enquanto, testes que comprovem se o líquido é, de fato, potável.

    De bermuda amarela, corpo molhado pela esguicho coletivo, o produtor de eventos Jurandir Leonardo, 41, garante, porém, que a água da bica é, sim, segura para consumo humano. "Nasci aqui e bebo essa água desde que me entendo por gente", afirma. A propósito: a bica do Cidão ganhou essa alcunha pelo fato de nascer em um morro que fica atrás da oficina do tio de Leonardo -o tal Cidão.

    "Minha família toda cresceu consumindo essa água. Bebemos dela até hoje. Nunca ninguém teve problema."

    BOTA A CARA NO SOL

    Nesses dias de sol tórrido, a empreendedora Luisa Alves, 33, trocou as várias chuveiradas ao longo do dia em sua casa na Barra Funda (também zona oeste de São Paulo) por um banho de cascata, na tentativa de amenizar o calor. Nessa terça-feira, os termômetros chegaram a marcar 35ºC na capital.

    Trouxe com ela a filha, Aurora, de um ano e sete meses, para brincar na piscina, montada no asfalto, ao lado da calçada, sob o olhar atento de Lucy, um cachorro sem raça definida de dez anos.

    "É um espaço democrático, raro em São Paulo. Se essas pessoas não estivessem aqui, elas estariam em casa, assistindo à TV com o ventilador ligado na cara", diz.

    Era democrático, mesmo. Tinha papai, mamãe, titia, sobrinha, vovó e netinha. A cachorrada também era bem-vinda. Ninguém pensou em esconder estrias ou "pneuzinhos", muito menos deixou de colocar a cara no sol quem há tempos não pegava um bronzeado.

    "Queria sair de biquíni na rua hoje", disse, toda orgulhosa, a salgadeira Patú Costa, 41, que foi do Ipiranga para a Pompeia tomar banho de rua com o marido e a filha, Maria Valentina, 5. "O pessoal de São Paulo é muito travado, mas agora, me dá licença que preciso passar um protetor solar", completou ela.

    No fim da fala de Patú, uma correria ganha volume no centro da rua. Alguém anuncia em voz alta: "Vai ter cachoeira. Uhuhuhuhhhh".

    Pronto, todo mundo deixa cangas, cadeiras e a sombra de umas árvores minguadas de lado e sai em disparada para debaixo da "cascata".

    Até um motoboy, que seguia em direção a uma entrega a quatro quadras dali, interrompeu a rota e não resistiu ao frescor das águas. Desceu da sua moto e correu, com roupa e tudo, para debaixo da "chuveirada".

    "Isso é um presente em São Paulo. Com um calorzão desses, quem pode se dar ao luxo de tomar um banho gelado no meio do expediente?", questionou Júnior Dias, 32, com a experiência de quem circula diariamente pela selva de pedra, usando capacete e luvas sob sol escaldante.

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