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    Massacre em presídios

    Maioria das vítimas de matanças em presídios era acusada de roubo

    RUBENS VALENTE
    MARLENE BERGAMO
    ENVIADOS ESPECIAIS A MANAUS E BOA VISTA

    BRUNA CHAGAS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MANAUS

    08/01/2017 02h00

    O serralheiro Jander de Andrade Maciel tinha 27 anos e brigava na Justiça para provar a inocência de uma acusação de estupro, crime que ele negava à família ter cometido. Seu irmão trabalha há dois anos vendendo banana frita no mesmo cemitério em que ele será enterrado.

    "Meu irmão morreu inocente. Ele estava provando na Justiça. Tinha uma mulher na vizinhança e apareceu com umas marcas. A palavra dela valeu mais", disse Janderlan Maciel, 21.

    A mãe de Errailson Ramos de Miranda, 33, trabalha como gari da prefeitura municipal de Manaus. Ele foi condenado sob acusação de estuprar e matar uma criança de quatro anos em 2009, mas a família nunca o abandonou no presídio. No seu enterro, mais de 50 pessoas apareceram, muitas vestindo uma camiseta com a foto do detento.

    Jander e Errailson são dois dos 93 presidiários assassinados entre domingo (1) e sexta-feira (6) em três penitenciárias de Manaus (AM) e de Boa Vista (RR), primeiro numa investida da facção criminosa FDN (Família do Norte) contra o PCC (Primeiro Comando da Capital) e, depois, em uma investida do PCC contra diversos presos sem ligação com a FDN ou outras facções.

    Dados obtidos pela Folha e confrontados com os do IML (Instituto Médico Legal) de Manaus, divulgados pelo governo de Roraima e por familiares dos presos indicam que, do total de 69 mortos identificados até o sábado (7) nas duas cidades, quase a metade fora presa sob acusação de roubo, com 35 casos.

    Mas também havia crimes considerados de menor potencial ofensivo, como furto (seis casos), uso de documento falso (dois) e falsificação de moeda (um). Acusações de homicídio atingiam 17 dos detentos mortos, ou cerca de um quarto do total.

    Dos 38 mortos até aqui identificados em Manaus, a maioria tinha até 30 anos de idade (58%) e dez eram acusados de homicídio (26%). Em Boa Vista, a acusação mais comum era o tráfico de drogas, com 18 casos entre os 31 mortos identificados.

    No levantamento sobre Manaus, os tipos penais associados a cada detento constam de um documento interno da Umanizzare, empresa contratada pelo governo que faz a gestão do Compaj. A Folha fez uma checagem das informações e descartou dados incorretos do arquivo, como a idade de um detento, marcada como 2016.

    O detento mais velho na lista de mortos também era um dos mais conhecidos na cidade de Manaus. Morto aos 47 anos, Moacir Jorge Pereira da Costa, o "Moa", era o ex-policial civil que, em 2008, denunciou um suposto esquadrão da morte comandado pelo então deputado estadual pelo extinto PL Wallace Souza.

    O caso ganhou enorme repercussão no Amazonas porque Wallace, além de ex-deputado, foi acusado de mandar matar traficantes para exibir os corpos em um programa de TV sensacionalista que ele apresentava na época. Wallace morreu dois anos depois de parada cardíaca em um hospital de São Paulo.

    Por ter sido um policial e ter assumido que executou traficantes, "Moa" ocupava no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) o "seguro", como se chamam nos presídios as celas destinadas aos presos ameaçados pelo restante dos detentos.

    A mesma cela era dividida com um ex-policial civil que, porém, não tinha nenhuma relação com os crimes de "Moa". Rômulo Arley da Silva, 38, foi condenado a dez anos de prisão por participação em um assalto em Roraima.

    Na terça-feira (3), os familiares de Arley disseram que, quando viram na TV a cela de "Moa" incendiada, tiveram a certeza de que o parente morrera junto. "Não tem como não ser", disse sua mãe, Maria de Jesus Lima. A confirmação veio um dia depois.

    Maria disse à Folha que seu filho fora condenado por um crime cometido "há mais de 15 anos" e estava perto de ser transferido para um presídio de Roraima, onde vive sua família. A mãe disse que o detento estava estudando e tinha como objetivo passar no vestibular de engenharia.

    Maria lamentou que o sistema penitenciário não tenha preservado a vida do filho. O mínimo que ela aguardava, no entanto, era que o governo pagasse o translado do corpo para um enterro em Roraima. "O governo não cuidou, o Estado não tomou conta. Não temos dinheiro. O governo devia assumir os gastos."

    Os governos do Amazonas e de Roraima têm afirmado que vão bancar os gastos relativos aos sepultamentos dos mortos nas duas rebeliões.

    Editoria de Arte/Folhapress
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