"Movimentos sociais amigos do rei" tiveram "sua vez" nos governos petistas. "Faltou transparência."
Quem critica é o secretário estadual de Habitação, Rodrigo Garcia (DEM), que aponta casos em que "quem invadiu teve seus desejos atendidos, e furou a fila de quem estava esperando legalmente", durante a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT).
"Até com prédios da prefeitura o governo Haddad foi meio desleixado." O secretário diz que haverá "sinergia" com o prefeito João Doria (PSDB). "Poderemos contratar 12 mil unidades em um semestre, o que Haddad levou quatro anos para entregar." Garcia também rebate as críticas de que o conjunto habitacional de 1.200 apartamentos que será construído diante da Estação Júlio Prestes, na Luz, se "favelizará".
Eduardo Anizelli - 29.ago.2016/Folhapress | ||
Rodrigo Garcia, secretário da habitação do governo Alckmin |
Folha - A prefeitura é hoje cercada por prédios vazios e invadidos. Haverá um programa conjunto de Estado e município?
Rodrigo Garcia - Há muitos projetos de produção de moradia na capital, dentro da faixa 1,5 do Minha Casa Minha Vida. Os terrenos na capital são mais caros, então o Estado entra com mais dinheiro. Se em Campinas colocamos R$ 20 mil por unidade, aqui colocaríamos R$ 30 mil.
Mas São Paulo foi das cidades que menos contratou. Haddad começou muita coisa, mas finalizou quase nada. Muitas ideias ao mesmo tempo, mas não concluiu nenhuma para contratar. Talvez tenha faltado noção de tempo à equipe, de como tudo demora. Já falei com a prefeitura. Em um semestre podemos contratar 12 mil unidades, mais do que o Haddad conseguiu entregar em quatro anos. Em dois anos ficariam prontos.
Houve leniência no aumento das invasões?
Haddad errou em 2014 nas invasões do movimento do Guilherme Boulos [o MTST] na Nova Palestina e na Copa do Povo. Você vai para a invasão e diz que não pode edificar, que tem de sair. Mas a pressão continua, então vai para a Câmara mudar o zoneamento e permitir a construção.
Aqui [no Estado], quem invade vai para o fim da fila. Dependemos de ordens da Justiça, mas é necessário clareza com as invasões.
Os movimentos de moradia "amigos do rei" na administração petista tiveram vez. No Estado, foram selecionados por chamada pública. É um edital, todos se habilitam, há critérios claros de desempate. As entidades passam por um processo seletivo.
O Estado também trabalha com entidades. Não há sempre o risco de favorecimento político?
Cinco por cento das obras são demandas fechadas de entidades, por remoções, desfavelamento ou áreas de risco.
Sou favorável a fazer edificação em conjunto com os movimentos de moradia, há uma parcela que só consegue assim. Nas esferas federal e municipal, faltou transparência. Faltam chamadas públicas claras, às vezes sai de um dia para o outro, só poucos sabem.
Várias entidades são acusadas de distribuir os apartamentos por "participação política". Quem vai às passeatas passa na frente. É verdade?
Não sei dizer, mas já ouvi. O que a gente sabe é que o presidente do movimento conhece Rodrigo e Vinicius, e sabe se o Rodrigo foi e o Vinicius faltou. Quem não vai é mandado para o fim da fila. Basicamente, com o dinheiro do Minha Casa Minha Vida, entidades empoderaram alguns movimentos.
Esses movimentos serão mais difíceis com o Doria? As invasões podem aumentar?
Vão fazer muito barulho. Toda semana entram aqui, tentam invadir. A diferença é o resultado que o governo dá para quem faz isso. A prefeitura fez de tudo para atender o Boulos. Agora, ele ameaça acampar na Secretaria do Meio Ambiente se não aprovarem o Nova Palestina, que o Gilberto Natalini [secretário da pasta municipal] falou que deveria ser um parque.
Mudará a atitude com Doria?
Não é mudança de atitude, é cumprimento da lei. Se a prefeitura não age, estimula invasão. Tem que ser o primeiro a buscar na Justiça a reparação desse dano.
Nos Cingapuras da [marginal] Pinheiros construíram mais cem, 200 barracos de alvenaria na frente. É um absurdo porque a prefeitura não age, não entra com integração de posse, não põe a assistência social para trabalhar. É omissão, e aí cresce. Poderiam ir para [um terreno] na Ponte dos Remédios. O Estado atuaria junto, entraria com o dinheiro.
Em entrevista à Folha, Haddad culpou a paralisação do Minha Casa Minha Vida por dois anos por ter entregue um quarto das unidades que prometeu. Não dá mais para contar com verbas federais?
Realmente, o Minha Casa Minha Vida parou nos últimos dois anos. Mas talvez ele não tivesse projetos adequados nos dois primeiros anos de sua gestão. Perdeu o bonde nas contratações iniciais, ficou meio perdido. Mudou de secretário, demorou.
Depois da derrota na eleição, acelerou a entrega de terrenos para movimentos. Minha impressão é que distribuíram para quem quiseram.
A prefeitura pediu para a Polícia Militar atuar na reintegração de posse do Cine Marrocos, imóvel municipal que estava invadido. Faltou essa iniciativa para reintegrar a posse de privados?
Até com prédios da prefeitura o governo Haddad foi meio desleixado. Quando você recorre ao Judiciário, você vê se estão mesmo a fim de reintegrar ou se adiam para outro dia. Supostamente tem de zelar pelos imóveis municipais. Se não zelar, é improbidade administrativa.
Por que o projeto em frente à Sala São Paulo [com 1.200 apartamentos, a maioria de interesse social] está demorando para sair?
Vocês não têm ideia da burocracia. Primeiro, demorou com a prefeitura. Agora, a Aeronáutica fiscaliza um raio de aproximação, e os prédios estão dentro do raio do Campo de Marte, precisam ser incluídos na carta náutica dos pilotos. A concessionária me diz que normalmente leva um ano para ser aprovado, um projeto complexo desses. É uma obra de interesse público, deveria passar na frente.
Mas outras cidades no Brasil aprovam mais rápido.
Doria disse que vai acelerar, uma de suas prioridades é desburocratizar o licenciamento. Campinas já faz isso. Dão o alvará, com a responsabilidade técnica. Há um convênio com o Crea de punição ao profissional se tiver algo errado. Doria já viu o projeto. A expectativa grande é que revitalize a região.
Vários conjuntos habitacionais dessa escala se degradaram muito rápido. Como evitar que vire uma nova Cidade de Deus?
Não é uma obra normal. Por ser uma parceria público-privada, a concessionária é responsável pelos serviços no contrato, de 20 anos de manutenção predial, nova pintura a cada cinco anos, segurança, cuidado estético. Não vai se deteriorar como outros.
Vários desses conjuntos viraram bolsões de pobreza, não atraíram comércio e empregos. Como vão misturar classes sociais?
Há uma cota específica para todos os empreendimentos da Casa Paulista, de 3.600 unidades, que 4% sejam destinadas a funcionários de carreiras da Polícia. Vamos tentar que essa cota seja especialmente destinada ao projeto em frente à Estação Júlio Prestes.
Cem por cento das pessoas que podem concorrer precisam ter uma pessoa da família trabalhando no centro, além da renda estipulada pelos programas de habitação social.Declara quanto ganha e o sistema puxa, por sorteio. Oitenta por cento das unidades serão para quem mora fora do centro. A ideia é evitar deslocamentos, ter mais gente que more perto do trabalho. Das unidades, 60% serão para quem recebe até três salários mínimos, das HISs [Habitações de Interesse Social], e 40% acima de três salários.
O empreendimento terá a nova sede da Escola Tom Jobim ali. Várias instituições culturais na região da Luz, como Pinacoteca e Sala São Paulo, porém, não conseguiram movimentar as ruas da região...
Estamos pensando no repovoamento do centro. Haverá 8 mil m2 de áreas comerciais nos andares térreos. Não vai ter um muro. Se você olhar o projeto, é meio Conjunto Nacional, aberto, com usos mistos. A Tom Jobim tem 1.300 alunos em um prédio alugado. Claro que se surgirem start-ups, empresas de jovens ocupando os espaços comerciais, seria ótimo também.
Algum projeto novo?
Queremos publicar o projeto Albor [na divisa entre Guarulhos, Arujá e Itaquaquecetuba] nos próximos dias. São 13 mil moradias, uma cidade maior do que uns 400 municípios do Estado de São Paulo. Serão 50 mil habitantes, e um processo interessante, terá muita receita acessória [com comércio]. Com a diferença: o Estado não vai querer partilhar essa receita. Vamos dar ao privado, que dará desconto na contraprestação.
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