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    Criminosos estão por trás de invasões no país, diz ex-secretário de Haddad

    RAUL JUSTE LORES
    DE SÃO PAULO

    14/01/2017 02h00

    O crime organizado está por trás de várias invasões de imóveis vazios pelo Brasil, diz o arquiteto João Sette Whitaker, que foi secretário de Habitação na gestão de Fernando Haddad (PT). "Criam movimentos de sem-teto de fachada para encobrir bases de operação do tráfico", diz.

    Whitaker rebate ainda as críticas feitas por Rodrigo Garcia, secretário de Habitação do governo Geraldo Alckmin (PSDB), que acusou a gestão Haddad de leniência e estímulo às invasões. Para ele, "se terrenos particulares são ocupados, o desleixo é da segurança, que é do governo do Estado".

    Sobre a modesta quantidade de apartamentos entregues nos últimos quatro anos, Whitaker culpa o governo federal. "A torneira do Minha Casa Minha Vida se fechou em 2014, sofremos com a falta de repasses." Ele conversou com a Folha de Paris, onde está em férias, antes de voltar a lecionar na Faculdade de Arquitetura da USP.

    Alberto Rocha - 27.jan.2016/Folhapress
    São Paulo, SP, Brasil, 27-01-2016: João Sette Whitaker, 48, Secretário de Habitação de São Paulo. (foto Alberto Rocha/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA***
    João Sette Whitaker, ex-secretário de Haddad

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    Folha - O secretário estadual de Habitação, Rodrigo Garcia, acusou a gestão Haddad de leniência e de estimular as invasões.

    João Sette Whitaker - Muitos edifícios não cumprem a função social da propriedade, o que é fato, e os movimentos de moradia pressionam. A relação na Justiça é entre o proprietário e os ocupantes, a prefeitura apenas acompanha e faz uma mediação. Achar uma saída, que pode ser o Minha Casa Minha Vida, para reabilitar um prédio.

    Houve desleixo com a invasão de prédios públicos?

    Pedimos a reintegração de posse do edifício que abriga o Cine Marrocos. A polícia descobriu 15 quilos de crack, escopetas, um sistema de monitoramento. Imigrantes eram explorados. Usam a ocupação como fachada ou base de operação para o tráfico na Cracolândia, há várias outras assim. Nos últimos anos, houve uma contaminação muito grande de ocupações pelo crime organizado. Cooptam ou sublocam para pessoas muito pobres, um negócio, está acontecendo em diversas cidades brasileiras.

    O secretário disse que os terrenos ocupados pelo MTST, movimento liderado por Guilherme Boulos, tiveram seus pedidos atendidos, inclusive de novo zoneamento. Isso não estimula mais invasões?

    Os dois empreendimentos do Boulos, a Copa do Povo e a Nova Palestina não têm nada a ver com a prefeitura.

    Há uma linha do Minha Casa Minha Vida para entidades da sociedade civil. A prefeitura só entra nesse processo para licenciar, como qualquer empreendimento de habitação social. Esses terrenos particulares puderam ser ocupados pelo Boulos porque, se houve algum desleixo, faltou policiamento. Essas invasões acontecem por falha da segurança do governo do Estado.

    Boulos e o movimento dele se tornaram proprietários do terreno e entraram com um procedimento normal. Como secretário, eu tenho muito interesse que se produza mais habitação social. A Câmara aprovou o novo zoneamento.

    Houve favorecimento a entidades?

    É inverídico e falso. É normal entidades estarem ligadas a partidos, e muitas que atendemos são próximas do PSDB. Nós fizemos 12 chamamentos nos últimos quatro anos, enquanto o último feito pelo governo estadual é de 2011.

    A distribuição é feita 50% por sorteio e 50% por decisão discricionária da prefeitura. Uma regra para "passar na frente" é quem está recebendo o auxílio aluguel, que é muito oneroso. Temos 30 mil pessoas assim. É muito perigoso deslegitimar os movimentos de moradia, nós contamos com eles.

    Por que o governo Haddad entregou tão poucas unidades habitacionais?

    Herdamos poucas. A equipe do Kassab (PSD) não se alinhou ao Minha Casa Minha Vida por razões políticas. Só contrataram 8.000 unidades, menos de um terço que no Rio de Janeiro. Preferiram construir prédios vistosos, feitos por bons arquitetos, mas que custam o dobro do Minha Casa Minha Vida, alguns de até R$ 250 mil a unidade.

    Eles retiravam as pessoas das favelas para construir esses prédios, pagavam auxílio aluguel –que se tornou um gasto enorme–, mas nunca fizeram em quantidade suficiente.

    Muitos conjuntos habitacionais estão com obras paradas há dois anos. Alguns foram até invadidos. O programa de reurbanização de favelas e de canalização de córregos empacou.

    O processo leva muito tempo, temos uma demanda gigantesca, precisamos de produção em massa, não os predinhos de arquitetos no lugar. O foco do Haddad foi alinhar a política municipal ao Minha Casa Minha Vida e deixar os projetos que eram caros demais. Mas o governo Dilma Rousseff (PT) foi impossibilitado de governar, a crise política se tornou crise econômica e a torneira de recursos federais foi fechada.

    Mas Dilma paralisou o Minha Casa Minha Vida em novembro de 2014, pouco após ser reeleita. Nem se falava de impeachment ainda, nem Joaquim Levy tinha sido nomeado.

    Há uma grande discussão a se fazer sobre o governo Dilma, mas o que eu quero dizer é que a crise se agravou. A falta de repasse das verbas federais nos prejudicou. São Paulo não foi privilegiada, apesar de sua centralidade no deficit habitacional brasileiro. A questão agora é como obter o financiamento, ver como será o Minha Casa Minha Vida com esse governo federal que julgo ilegítimo.

    O sr. criticou os predinhos de arquitetos do Kassab como caros. Mas o Minha Casa Minha Vida é muito criticado pela má qualidade arquitetônica e urbanística dos projetos.

    O que decide a qualidade é a arquitetura do programa de financiamento. A lógica do programa favorece as construtoras, que visam apenas o lucro e dão pouco espaço ao projeto. A pressão é por grande quantidade, sem muita qualidade. Falta uma sintonia fina entre arquitetos e construtoras em como produzir muito e barato, para atender muita gente. Produzir mais com qualidade não fecha as contas públicas.

    O sr. só assumiu a Habitação no último ano da gestão. Nos três primeiros anos, a secretaria ficou com o PP. Como foi essa herança?

    O prefeito Haddad deixa muito para o Doria (PSDB) poder começar. Há 34 mil unidades licenciadas, prontas para contratar, só falta o financiamento. Nenhum outro prefeito fez tanto quanto Haddad, ainda mais com uma recessão que fez a economia do país cair mais de 7%. Habitação é algo demorado. Comprar e regularizar o terreno, o projeto, a licitação, a obra. É miragem achar que em quatro anos você consegue começar e entregar as obras.

    Haddad, Kassab e Marta chegaram ao final do mandato dizendo que tinham um levantamento de edifícios vazios no centro que poderiam servir para a habitação. Mas pouquíssimos, de fato, foram reabilitados. Por quê?

    Se fazer habitação popular é lento, você pode triplicar isso para prédios antigos. Tem novas regras de bombeiros, de segurança, o que pode ou não ser feito na reabilitação, às vezes o imóvel tem diversos proprietários... Só daria para fazer se houvesse continuidade, algo incomum no Brasil.

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    Raio-X

    Formação: graduação em economia pela PUC-SP, doutorado em arquitetura e urbanismo pela FAU-USP

    Carreira acadêmica: é professor livre-docente da FAU-USP. Lecionou na Universidade Mackenzie e foi professor-visitante na Université de Paris 3 - Sorbone Nouvelle, em Paris

    Carreira política: foi secretário municipal de Habitação de São Paulo no último ano (2.dez.2015 a 31.dez.2016) da gestão Fernando Haddad (PT)

    Livros: É coordenador da publicação "Produzir Casas ou Construir Cidades? Desafio para um Novo Brasil Urbano", lançada em 2012

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