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    Esquemas, depressão e ciúmes foram enredo de corretor até matar a mulher

    REYNALDO TUROLLO JR.
    DE SÃO PAULO

    15/01/2017 02h00

    O empresário Hugo Gabrich havia acabado de se mudar para São Paulo, no início de agosto de 2016, quando foi procurado pela Folha para explicar uma troca de e-mails suspeitos em que aparecia.

    Hospedado em um hotel na Liberdade, no centro da cidade, ele admitiu ter usado uma empresa sua, de fachada, para emitir notas frias a fim de justificar um pagamento não declarado de uma fabricante de móveis a um senador.

    Três meses depois, Gabrich entrou no apartamento de sua companheira, no Paraíso, e atirou nela e em um amigo. Edna Amaralina da Silveira, conhecida como Mara, morreu com quatro tiros. O episódio foi flagrado por câmeras.

    Newton Menezes/Futura Press/Folhapress
    SÃO PAULO,SP,21.11.2016:SUSPEITO-MATAR-EX-NAMORADA-TRANSFERIDO-PRESÍDIO-SP - O empresário Hugo Alexandre Gabrich, suspeito de matar a ex-namorada Edna da Silveira, é transferido para presídio em São Paulo (SP), na manhã desta segunda feira (21). Gabrich estava internado em uma clínica psiquiátrica com quadro de depressão sob escolta policial em Belo Horizonte (MG). Edna Silveira foi morta na madrugada do último sábado (12) após ser vítima de disparos dentro de seu apartamento. (Foto: Newton Menezes/Futura Press/Folhapress) *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
    Empresário Hugo Gabrich, suspeito de matar a ex-namorada, preso em novembro

    O empresário se aproveitou da chegada de um entregador de bebidas, fez as vítimas deitarem e disparou. O amigo que estava com Mara sobreviveu, e hoje faz fisioterapia para voltar a andar.

    Gabrich, 50, contou que conheceu Mara, 28, por meio de um site, em 2012, em Vitória.

    Naquela época, a empresa em que ele trabalhava, a mineira Cozinhas Itatiaia, uma das maiores fabricantes de móveis do país, estava abrindo uma fábrica em Sooretama, no Espírito Santo.

    Como assessor da presidência da Itatiaia, coube a Gabrich fazer a articulação política no Estado. Ele passava mais tempo em Vitória do que em Belo Horizonte, onde morava com sua família.

    Sozinho na cidade, apaixonou-se por Mara. Terminou um casamento de 24 anos, do qual tem uma filha de 23 e um garoto de 10, e foi morar com a jovem na Enseada do Suá, bairro nobre de Vitória, num apartamento pago pela firma.

    Foi nesse período que presenteou Mara com um Chevrolet Cruze e lhe pagou uma cirurgia estética no nariz com um especialista renomado do Rio –"um sonho dela", dizia.

    SUPOSTO ESQUEMA

    Com salário de cerca de R$ 20 mil, Gabrich era homem de confiança da Itatiaia. Abriu a empresa Vix Consulting, e, em 2014, segundo disse à Folha, emitiu nota fria para justificar pagamentos da Itatiaia.

    Um deles teria sido de R$ 100 mil para o senador Magno Malta (PR-ES), político próximo da direção da empresa. A Folha noticiou o caso em agosto, após obter trocas de e-mails entre diretores da Itatiaia. O senador e a empresa negaram irregularidades.

    Após dois anos na capital do Espírito Santo, Gabrich e Mara se mudaram para Florianópolis, de frente para o mar. Ele havia rompido com a Itatiaia, e seus rendimentos tornaram-se irregulares.

    Abriram uma transportadora e uma imobiliária. Gabrich era corretor experiente e sempre teve contatos –ele vem de uma família de políticos de Santa Luzia (MG), onde já presidiu o PSDB local, e trabalhou por anos na Assembleia Legislativa mineira.

    Moraram em Florianópolis até o início do ano passado, quando decidiram ir para Catalão (a 261 km de Goiânia), onde vive a família de Mara. Gabrich arrumou emprego em uma corretora.

    Ali, os problemas vieram à tona. Após desentendimentos, ele publicou em redes sociais um vídeo em que revelava que ela foi garota de programa. Em junho, o relacionamento parecia ter acabado.

    Na esteira desse episódio, Mara obteve na Justiça uma medida protetiva, para que Gabrich não se aproximasse, e se mudou para São Paulo. Os dois, porém, tinham um terreno à venda em Florianópolis e se reaproximaram.

    Reprodução
    16.11.2016 - Vídeo mostra suspeito de matar ex-companheira fazendo disparos Empresário Hugo Gabrich é suspeito de matar Edna Silveira. Novas imagens indicam ainda que suspeito tinha duas armas. Foto reproducao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Edna Amaralina da Silveira, conhecida como Mara, assassinada pelo empresário Hugo Gabrich

    Gabrich se encontrou com Mara em São Paulo –para a família dela, ele a perseguiu. Após se hospedar por alguns dias no hotel da Liberdade, o empresário foi morar com Mara no apartamento da rua Cubatão, onde ocorreria o crime.

    Dias antes de morrer, ela retirou a medida protetiva.

    "O maior arrependimento da minha vida é ter feito aquele vídeo", disse ele à reportagem numa ocasião. "Ela não fez nada de errado, eu fiz. Já viajei pelo país todo, sei do que estou falando: de norte a sul, não tem nada que funcione no Brasil sem corrupção".

    ASSOMBRADO

    De agosto a novembro, Gabrich trabalhou numa imobiliária nos Jardins, zona oeste. Apesar de chefiar uma equipe de corretores, queixava-se de que levaria meses até ganhar comissões suficientes para voltar a dar a Mara o padrão de vida anterior.

    Passou a marcar conversas com a reportagem à noite, quando ela começou a sair para trabalhar em uma boate de classe alta na zona sul. Em setembro, Gabrich foi diagnosticado com depressão –interrompia as conversas para tomar remédios de tarja preta.

    Dizia não se importar com o passado de Mara, e passou a lhe dar de R$ 5.000 a R$ 8.000 por semana, segundo seu relato, para evitar que ela fosse à boate. O dinheiro era retirado de sua parte do terreno vendido em Florianópolis, e, em pouco tempo, acabou.

    Gabrich dizia se sentir assombrado pelo esquema que integrou, pelas cobranças que a companheira lhe fazia e pela possibilidade de ser preso –ele havia deixado de pagar pensão ao filho de dez anos e estava com prisão decretada.

    O quadro piorou quando ele acessou o e-mail de Mara e viu uma conversa dela com um de seus inimigos. Ele dizia temer que ela o "rifasse".

    Ainda assim, um mês antes do assassinato, ocorrido na madrugada de 12 de novembro, ele pagou a Mara uma nova cirurgia –lipo e silicone.

    A mãe de Mara, Zuleide da Silveira, afirmou que aconselhou várias vezes a filha a se separar, porque considerava o relacionamento ameaçador.

    Zuleide disse que sua família tem boa condição financeira e que não consegue entender o relacionamento sob a ótica de Gabrich.

    "O ser e o estar têm uma diferença grande. Eu sei quem a minha filha era. Se ela esteve fazendo outras coisas durante algum tempo, eu tenho absoluta certeza de que era um estar ruim, não era a essência dela. E, se fosse, mesmo assim eu a queria viva", afirmou a mãe de Mara.

    Gabrich está preso no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros. Ficou foragido por uma semana após o crime, internou-se numa clínica psiquiátrica e se entregou.

    Ele deverá ir a júri popular. Em dezembro, apresentou suas alegações. O Ministério Público o denunciou por homicídio e tentativa de homicídio –o processo está sob sigilo.

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