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    Anvisa aprova primeiro medicamento à base de maconha no Brasil

    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    16/01/2017 13h17 - Atualizado às 18h14

    Felix Lima-21.mai.2015/Folhapress
    Cultivador mostra flor seca da planta
    Cultivador mostra flor seca da planta

    A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou pela primeira vez o registro de um medicamento à base de maconha no Brasil. O Mevatyl, que agora ganha aval para ser vendido em farmácias, é composto por 27 mg/ml de THC (tetrahidrocannabinol) e 25 mg/ml de CBD (canabidiol), substâncias derivadas da Cannabis sativa.

    Segundo a agência, o medicamento, conhecido no exterior pelo nome comercial Sativex, chegará ao mercado na forma de solução oral (spray). O produto é fabricado pela GW Pharma, da Inglaterra, mas será distribuído no Brasil pela Beaufour Ipsen Farmacêutica, de São Paulo, que entrou com pedido de registro na Anvisa em 2014.

    O medicamento já é comercializado em outros 28 países, como Canadá, Alemanha, Estados Unidos, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Suíça e Israel. Ele é indicado para tratamento de espasticidade moderada à grave (condição em que os músculos são rígidos e ficam contraídos), quadro relacionado à esclerose múltipla.

    ERVA QUE CURA

    O produto deve chegar ao mercado com tarja preta, modelo que requer receita médica especial "A" (cor amarela) e assinatura de um termo de consentimento pelo paciente.

    Ainda não há informações sobre o preço. Em geral, após o registro, o processo é encaminhado para análise da Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), órgão que define o valor máximo pelo qual o produto poderá ser vendido no país. A avaliação dura cerca de três meses.

    Segundo a empresa Ipsen, a previsão é que o produto chegue às farmácias a partir de junho deste ano.

    A aprovação do primeiro medicamento à base da maconha ocorre pouco mais de um mês após a Anvisa ter criado critérios para permitir o registro desses produtos no Brasil, o que abriu espaço para a decisão anunciada nesta semana.

    Passaram a ser autorizados o registro e comercialização de medicamentos com concentração de até 30 mg/ml de canabidiol e THC. Na ocasião, a Folha apurou que o pedido de registro do Mevatyl já estava em fase final de análise pela agência.

    Recentemente, algumas famílias vinham conseguindo autorizações judiciais para plantar maconha medicinal em casa. Nesse caso, contudo, o óleo da planta é usado para epilepsia.

    CONTRAINDICAÇÕES

    Segundo a Anvisa, o Mevatyl é recomendado apenas para pacientes adultos que não demonstraram resposta a outros medicamentos –não há dados de segurança e eficácia do produto para uso em crianças e adolescentes abaixo de 18 anos.

    Ainda de acordo com a agência, ao contrário de outros produtos à base da cannabis, o novo medicamento não é indicado para tratamento de epilepsia. Isso ocorre porque ele possui THC, derivado da maconha que, segundo a agência, possui potencial de agravar as crises epiléticas. Também é contraindicado para gestantes, idosos (devido ao risco de quedas) e usuários regulares de cigarro da cannabis, informa nota técnica da Anvisa.

    Apesar de possuir THC, substância conhecida por gerar efeitos psicoativos, estudos clínicos apontam que a ocorrência de dependência a partir do uso do Mevatyl é tida como "improvável".

    Nas faixas etárias para a qual o medicamento foi aprovado, o remédio deve ser usado em conjunto com os remédios atualmente utilizados pelo paciente.

    Denis Bichuetti, membro da Academia Brasileira de Neurologia e professor de neurologia na Unifesp, esclarece que o novo remédio serve apenas para tratar alguns sintomas da esclerose múltipla. "Ele serve para tratar a dor e espasticidade. Não é um medicamento desenvolvido para frear a doença. É só para quem já tem algum grau de sequela", diz.

    Segundo ele, estudos feitos em países onde o medicamento já é utilizado mostram que cerca de 50% a 60% dos pacientes relatam melhora nos sintomas. Os demais não apresentam respostas –desses, cerca de 20% abandonam o tratamento por efeitos colaterais, como sonolência, boca seca, ganho de peso e náuseas, efeitos em geral comuns a outros medicamentos.

    "Como muitos medicamentos novos, há uma curva de aprendizado. Mas provavelmente teremos que ter cautela com a polifarmácia, ou seja, quem já usa um medicamento sedativo precisa adaptar para incorporar o Sativex [Mevatyl]", diz.

    Para Bichuetti, o novo remédio pode ser útil para pacientes que não respondem a outros remédios do mercado.

    "Se o paciente tem o sintoma [de dor e rigidez muscular] e responde bem a uma medicação que já existe no mercado, acessível e a custo baixo, não tenho porque prescrever algo novo. Não sabemos ainda o preço [do Mevatyl], mas provavelmente não deve ser o de uma aspirina", afirma. "Para o paciente que já fez uso de vários tratamentos diferentes e sofre de espasticidade, é bom ter uma opção a mais."

    Margarete Brito, da Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes da Cannabis Medicinal), diz ver a decisão como um avanço. "Principalmente por ser um remédio à base de cannabis e com alto índice de THC. Agora vai ser difícil médicos dizerem que o THC não é remédio", afirma.

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