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    Campanha de Doria contra pichação reacende 'guerra do spray' em SP

    JULIANA GRAGNANI
    LEANDRO MACHADO
    DE SÃO PAULO

    17/01/2017 02h00

    Com um spray em mãos, o prefeito João Doria (PSDB) pintou de cinza uma parede da av. 23 de Maio e afirmou: "São Paulo vai fazer uma grande campanha contra os pichadores". A guerra foi declarada, e os pichadores declararam guerra de volta.

    No último fim de semana, quatro pessoas foram detidas ao pichar em diferentes regiões da cidade –uma delas rabiscava o prédio da prefeitura, no centro. Doria chegou a anunciar que 28 haviam sido presos, mas sua assessoria disse que o número anunciado foi um "equívoco".

    Em resposta à proposta do prefeito de transformar pichadores em grafiteiros –ele quer criar um "grafitódromo" na cidade inspirado em um bairro de Miami–, um pichador escreveu "Doria, pixo é arte" em um prédio próximo ao terminal Bandeira (centro), que fica no caminho do tucano para a prefeitura.

    Na zona leste, o grafiteiro Todyone, 33, pintou um Doria vestido de gari, varrendo a pichação para debaixo do tapete e dizendo: "Isso não é arte! Romero Britto é 'top'!".

    Avener Prado/Folhapress
    Prédio no centro de SP visto do Terminal Bandeira, onde se lê 'Telas 17; Doria, pixo é arte
    Prédio no centro de SP visto do Terminal Bandeira, onde se lê 'Telas 17; Doria, pixo é arte'

    No largo da Batata (zona oeste), o canteiro ganhou os dizeres: "Não dê vexame, São Paulo não é Miami". Seu autor, o ativista e grafiteiro Mundano, 30, diz que "uma cidade linda não é uma cidade cinza". "Sou contra uma cidade monocromática, calada."

    Esses grafiteiros e pichadores são movidos pela ilegalidade e pelo desafio –a pichação pode ser enquadrada como dano ao patrimônio ou crime ambiental, infrações leves, não punidas com prisão.

    Numa quinta à noite, reunidos em uma via no centro de São Paulo, pichadores mostravam uns para os outros os escritos que pretendiam fazer e comentavam as últimas declarações do prefeito. "O Doria falar essas coisas só alimenta mais nossa vontade de subir nas paredes", dizia um. "Se legalizar, deixa de ser grafite", afirmou outro.

    Autor da pichação no terminal Bandeira, um rapaz de 33 anos da "família" Telas diz que aquilo "não foi para atacar". "Queria expor para ele que por mais que seja vista como poluição visual aqui, lá fora a pichação é vista como arte", diz, admitindo que não gostaria de ter a casa pichada, "mas teria que aceitar".

    Para pintar a parede do prédio, pendurou-se no alto do edifício com uma corda, técnica que aprendeu com a identidade que assume de dia –ele é pintor predial.

    Em uma carta a Doria, outro integrante do grupo que participou da ação diz que a pichação "carrega o grito de cidadãos que não têm garantido seu espaço e seus direitos, que não provoca, mas denuncia a degradação da cidade". "O senhor declara o combate à 'pixação' por ser uma agressão à cidade, mas não pensa em garantir uma cidade menos agressora a seus moradores?", questiona.

    Para Júlio Nicolau, da Trevo, empresa que mantém um estacionamento no edifício, a pichação do grupo é "descabível" e deverá ser apagada.

    Todyone/Arquivo Pessoal
    Grafite no Jardim das Camelias, na zona leste, do grafiteiro Todyone
    Grafite no Jardim das Camelias, na zona leste, do grafiteiro Todyone

    'GRAFITÓDROMO'

    Na 23 de Maio, onde a gestão Fernando Haddad (PT) inaugurou murais em todo o corredor, Doria diz que manterá oito trechos grafitados –"os demais já estão envelhecidos ou foram mutilados por pichadores", disse. Alguns grafiteiros defendem apagar periodicamente esses murais para dar espaço à renovação.

    O "grafitódromo" que a cidade deve ganhar terá café, loja e um espaço de convivência para oficinas, segundo o secretário de Cultura, André Sturm. Ele diz estudar locais na Mooca (zona leste) e na Sé. "Será um local para aprender técnicas, de referência."

    A ideia é inspirada em Wynwood, em Miami, distrito onde galerias se estabeleceram após uma onda de gentrificação. Para Rui Amaral, 56, um dos curadores dos painéis da 23 de maio, porém, São Paulo já tem espaços assim, livres e nascidos de forma orgânica. "Começamos a grafitar a Vila Madalena no anos 1980."

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