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    'Funk do gás' converte nostalgia da música do caminhão em Carnaval

    JULIANA GRAGNANI
    DE SÃO PAULO

    04/02/2017 02h00

    Se a nostalgia pudesse ser traduzida em música, a do caminhão de gás certamente entraria no páreo. Imagine, no entanto, que uma forte percussão a transformasse em uma música dançante capaz de mobilizar massas -não para comprar botijões de gás, mas para pular Carnaval.

    Erguidos, os braços devem balançar vagarosamente de um lado para o outro, acompanhando o ritmo da música. O movimento se acelera, de um lado para o outro, mais rápido, mais rápido. A virada vem quando uma voz frenética grita: "Ó o gás!", e a música ganha um beat por baixo. Finda parte "clássica" da música, todos vão à loucura em seu momento de puro funk, dançando como se fosse o último dia de suas vidas.

    Um vídeo da nova versão musical com essa coreografia se disseminou na internet nos últimos dias. Desde seu surgimento, DJs começaram a tocar a música em festas, o canal Cartoon Network produziu um vídeo com personagens de um de seus desenhos mais psicodélicos, a "Hora da Aventura", balançando ao som desse "Funk do Gás", assim como fizeram os jogadores do time do Corinthians.

    Funk do Gás

    Até um rapaz em São Paulo tatuou um botijão com a expressão "Ó o Gás" no braço (resultado de uma aposta com amigos, segundo o tatuador, Raul Willian, 20).

    É um concorrente a grande hit do Carnaval -aquele do qual será impossível fugir-, disputando lugar com a já disseminada canção "Deu Onda".

    "Escutava quando era criança", diz o criador dessa versão, o estudante Alessandro Santos, 19, de Vitória da Conquista, na Bahia. Quis fazer uma "zoeira", como diz, e, a partir de sua experiência em produção musical, fez da memória de infância um funk. Sobrepôs a música a um vídeo de uma rave -como se seus frequentadores estivessem na verdade dançando o "Funk do Gás"- e pronto, receita para o sucesso.

    A música estourou quando o vendedor Renan Vinícius, 24, de Cubatão (56 km de São Paulo) gravou os amigos fazendo "a dancinha do gás" quando estavam todos "um pouco alegres, com umas latinhas de cerveja na mente". Bagaceiro, como o Brasil gosta, o vídeo foi visualizado por mais de 3,3 milhões de pessoas.

    Funcionou, claro, como propaganda para a empresa que difundiu a música original, a Ultragaz. De olho na repercussão, também fez funcionários reproduzirem a coreografia para compartilhar vídeos daquele momento.

    Funk do gás

    SOM METÁLICO

    Caminhões de gás começaram a usar músicas para sinalizar sua presença nas ruas, no lugar de buzinas, nos anos 1990, quando passavam pelas casas semana sim, semana não. Vendedores de fato gritavam "ó o gás".

    "Fiz a melodia para que tivesse um potencial de chamada, com um pico que se projeta muito longe, entre prédios, e um silêncio, em intervalos", diz o compositor, Hélio Ziskind, 61, alegre porque a nova versão mantém a música nas ruas. Essa primeira camada, diz ele, é composta por uma flauta bem aguda, com bastante eco.

    A segunda tenta imitar o som metálico de botijões de gás batendo uns contra os outros, aproximação feita com um sintetizador. Por fim, violinos "dão uma atmosfera afetiva a tudo", criando uma chamada "mais lírica e menos militar".

    Na época, só um aparelho que tocasse a música em um chip, e não fitas cassetes, aguentaria reproduzi-la o dia todo. Sem música própria, concorrentes recorreram a uma já disponível nos chips para brinquedos de criança: "Für Elise", de Beethoven, a outra grande música do gás.

    Autor de "Para Elisa", canção que brinca com o fenômeno ("Minha Elisa agora traz / Energia e muito gás"), o músico Luiz Tatit classifica a original, de Ziskind, como uma criação new age, que "fica no ouvido das pessoas pela própria repetição". As notas demoradas e seu "tempo espichado" são de músicas mais passionais ou que transmitem esperança, daí a sensação de saudade, observa ele.

    Com a compra de botijões de gás pelo telefone, pela internet e por aplicativos de celular, a necessidade de ter caminhões trafegando com a música diminuiu. O uso do jingle, então, "é um pouco administrado, também em função da região", segundo o diretor da Ultragaz, Aurélio Ferreira.

    Ele diz que a empresa tem recebido pedidos de fantasias do mascote, um botijão –sinal de que ao menos a nova versão ocupará as ruas no Carnaval.

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