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    Bagulé, ex-mestre de bateria da Barroca, zela pelo 'pai do samba'

    DIEGO PADGURSCHI
    FABRÍCIO LOBEL
    DE SÃO PAULO

    06/02/2017 17h00

    A Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, ainda tinha suas ruas de terra na década de 50, quando o bloco carnavalesco Brinco de Ouro arrastava foliões pelo bairro.

    Aos 4 anos de idade, José Roberto Nascimento Arruda viu, por cima do muro de casa, a festa passar. Com os primos, logo bolou um plano. Recolheu os baldes que as famílias do bairro usavam pra pegar água do poço e os transformou em surdos. As tinas de banho viraram caixas. E as tigelas para comida das galinhas se transformaram em tamborins.

    "Saímos fazendo um estardalhaço. O problema é que meu pai e meus tios estavam no bar do outro lado da rua e viram a cena. Tivemos que parar o samba, porque era tapa de tudo que era lado, só porque amassamos as latas", lembra José Roberto, conhecido no samba paulista como mestre Bagulé.

    Desde criança, Bagulé tomou preferência pelo surdo, o instrumento mais grave de uma bateria, o responsável pela marcação do ritmo da escola de samba na avenida.

    "Surdo pra mim é tudo. É a batida do meu coração, o pai do samba, da bateria, a primeira pegada. Aquele que você bate com prazer e a cabrocha espalha a poeira no chão".

    E foi tocando surdo que Bagulé passou pela Acadêmicos do Ipiranga, pelo Vai-Vai e pela Camisa Verde e Branco.

    Até que nos anos 70, junto com Sebastião do Amaral, conhecido como "Pé Rachado", ajudou a fundar a escola de samba Barroca Zona Sul, na Água Funda.

    Por ser amigo de Cartola, "Pé Rachado" conseguiu que a Mangueira apadrinhasse a nova escola paulista, que passou a também adotar o verde-rosa como suas cores.

    "Lembro quando Cartola pegou o pavilhão da Barroca e pronunciou essas palavras: 'Eu beijo este pavilhão como se estivesse beijando o rosto de minha mãe'", conta Bagulé.

    Orgulhoso das baterias paulistas, de ritmo mais acelerado, Bagulé defende que elas não perdem para nenhuma bateria do Rio de Janeiro. "É diferente, eles têm mais investimento. Mas as nossas não devem nada a ninguém".

    Desde então, o ritmista está na Barroca Zona Sul. "Barroca é uma escola de sambista. E sambista brota do chão. É um celeiro de sambista", comemora.

    Hoje, aos 62 anos, de cabelos brancos –que contrastam com a pele escura–, Bagulé é hoje reconhecido como o formador de uma legião de ritmistas de São Paulo e um experiente mestre de bateria.

    Por seus trajes em dia de festas, pode-se ver que Bagulé faz parte de um seleto grupo de sambistas de São Paulo. Vestido de chapéu, terno e sapatos brancos e gravata vermelha, Bagulé traz sobre o peito, uma faixa com os dizeres: "Embaixador do Samba".

    O título honorário foi recebido da União das Escolas de Samba Paulistana em reconhecimento aos 60 anos de contribuição ao samba.

    Bagulé é, porém, saudoso do tempo em que sair no Carnaval era mais barato. " [No Anhembi,] Acabou o Carnaval para o povo. Aquelas pessoas que não têm dinheiro para comprar um ingresso para ver a escola chegando ou se montando para desfilar, não consegue mais ver. É tudo fechado".

    Segundo Bagulé, até mesmo as festas nas quadras das escolas afastam a população mais pobre. "Hoje, para levar a família na quadra, tem que pagar ingresso de R$ 20. Se multiplicar pelo número de pessoas na família, dá pra comprar carne para a semana inteira. As pessoas deixam de ir para ter o que comer em casa", conta.

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