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    Alalaô

    Velha Guarda Paulistana

    Laurinha, uma das primeiras a usar pouca roupa no Carnaval

    DIEGO PADGURSCHI
    FABRÍCIO LOBEL

    20/02/2017 13h39

    Era noite de Carnaval em 1958 e as amigas de Laurinha não acreditavam no que ela estava prestes a fazer. A mãe deu todo apoio. Mas para desfilar de roupa curta no Carnaval de São Paulo, Laurinha teve que ser escoltada por quatro fuscas da polícia ao longo da avenida São João, antigo endereço dos desfiles das escolas de samba da cidade.

    De salto alto, plumas na cabeça e nas costas e biquíni, Laurinha desfilou no centro de São Paulo. "Naquela época era obsceno, era o que diziam", lembra Laura Iris Pereira da Silva, 72. A pouca roupa de Laurinha, embora hoje fosse despercebida nos desfiles das escolas de samba, causou sensação no Carnaval paulista do final dos anos 50.

    Mas acontece que Laurinha saía pela Nenê de Vila Matilde, tradicional escola paulista conhecida por sempre implantar novidades no Carnaval paulista. Foi a escola que em 1956, por exemplo, trouxe a São Paulo o conceito de samba-enredo, onde as alas e o samba passaram a ter como objetivo contar uma narrativa, uma história. Na inauguração do gênero em São Paulo, a Nenê cantou "Casa Grande e Senzala", uma adaptação da obra do sociólogo Gilberto Freire.

    A Nenê trouxe ainda ao Carnaval paulista um ritmo novo para sua bateria, um misto do estilo de tocar das cariocas Mangueira e Portela (escola madrinha da Nenê). Filha de sambistas, Laurinha entrou na folia aos 4 anos, desfilando na ala das baianinha na escola de samba "Garotos da Penha", da zona leste de São Paulo.

    Diego Padgurschi/Folhapress
    Laura Iris Pereira da Silva, 72, foi a primeira a desfilar sem roupa no Carnaval paulista
    Laura Iris Pereira da Silva, 72, foi a primeira a desfilar sem roupa no Carnaval paulista

    Saiu também de rumbeira, com saias e camisas cheias de babados (ao estilo espanhol) e de velha dama (imitando senhoras da Belle Époque com seus vestidões e guarda-chuva). As duas fantasias eram tradicionais dos antigos blocos, cordões de rua e escolas de samba da cidade.

    O Carnaval na metade do século passado tinha alas diferentes das atuais, que com o tempo desapareceram dos desfiles. Cada agremiação, por exemplo, tinha sua corte real, em que membros da escola se vestiam de rei, rainha, príncipes e princesas.

    Outra figura do Carnaval que desapareceu foi o baliza. Ele vinha à frente dos foliões lançando para o alto um bastão laminado. Sem deixar a peça cair, voltava a lançar ao alto fazendo acrobacias. Em vez de porta-bandeiras, as agremiações tinham suas porta estandartes e guardiões munidos de navalha e bastão para proteger o símbolo maior da escola.

    Os desfiles ocorriam de maneira simultânea no centro da cidade e também nos bairros mais afastados. Um dos mais animados de São Paulo era justamente o da Vila Esperança, na zona leste, em que Laurinha desfilava.
    "As famílias iam para as calçadas das ruas e levavam macarronada e frango assado para assistir os desfile", recorda Laurinha. Vez e outra uma serpentina ou confetes caiam na comida. Mas a folia seguia.

    "O samba de antigamente era para o povo. Eram blocos, cordões, na rua. Ninguém precisava pagar para se divertir. Ia para rua, levava comida e os bairros todos festejavam o Carnaval". Para Laurinha, o Carnaval começou a virar coisa séria ainda adolescente quando foi fundada na zona leste a Nenê de Vila Matilde.

    Seu Nenê, fundador da escola, era amigo do pai de Laurinha. Ambos tocavam juntos num grupo de samba. Desde então, Laurinha é Nenê. "Sem ser pela Nenê, eu só saí pela Mocidade, que é coirmã. Mas só (...) pra não ficar mal falada no samba", conta.

    Na escola, além de ter sido uma das primeiras passistas a sair com pouca roupa, foi destaque, coordenou alas e por anos chefiou os casais de mestre-sala e porta-bandeira. O posto de porta-bandeira, a defensora do pavilhão da escola, é ainda hoje uma das principais emoções de Laurinha no Carnaval. Seja porque sua filha, Rubia, foi por anos a porta-bandeira da Nenê ou porque Laurinha sabe a importância do pavilhão para a escola.

    Laurinha conta que a tradição do pavilhão vem dos estandartes tradicionais nas festas de congadas. Cada grupo de congadeiros trazia o seu estandarte com as cores representativas de sua etnia na África. Por isso, explica, "o pavilhão é um rei. Para reverenciá-lo, não se pode estar com chapéu ou com lata de cerveja na mão".

    Aos 72 anos, Laurinha foi personagem de uma transformação do Carnaval paulista. Mas diz ter se mantido sempre atenta às tradições e aos fundamentos do samba. Como embaixadora do samba (título honorário concedido pela União das escolas de Samba Paulistanas) e membro da Velha Guarda de sua escola, Laurinha se ressente que cada vez menos pessoas valorize as tradições do samba.

    "Eu já ouvi pessoas falarem que tem que ter renovação, que velho é passado. São pessoas que estão chegando agora, que não são sambistas e não sabem o que é o samba, uma bateria ou um pavilhão (...) Se não houver luta dentro do samba, ele vai acabar."

    Escolas de Samba - SP

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