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    Velha Guarda paulistana

    Gabi, o mestre-sala que ganhou o apelido de 'Maravilha'

    DIEGO PADGURSCHI
    FABRÍCIO LOBEL
    DE SÃO PAULO

    24/02/2017 12h44

    Alice dos Santos era uma das mais consagradas porta bandeiras do Rio de Janeiro quando se mudou para São Paulo. Por aqui, conheceu Gabriel de Souza Martins, um compositor da Barroca Zona Sul. Sujeito negro, alto, magro, de porte elegante e sorriso largo. O viu sambar e insistiu para que ele fosse seu mestre-sala.

    Gabriel cedeu, tomou gosto, treinou e no dia do desfile partiu ao lado de Alice para a avenida Tiradentes, antigo palco dos desfiles das escolas de samba de São Paulo, como segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira da escola, posto que não recebe notas dos jurados.

    Naquele ano, o diretor de harmonia da Barroca era o lendário Pé Rachado (Sebastião Eduardo do Amaral). Durante o desfile, Pé Rachado fez sinal para que os jurados avaliassem Gabriel e Alice como casal oficial da escola. Na apuração, receberam somente notas dez. "Nós entramos na avenida como segundo casal e saímos como casal principal", lembra Gabriel, o mestre Gabi, hoje aos 69 anos e um dos mais maiores mestre-salas de São Paulo.

    Dez anos depois de inaugurar sua carreira como mestre-sala, foi também no susto que a mulher de Gabi, desfilou pela primeira vez como porta-bandeira. Em 1991, a menos de um mês do Carnaval, a diretoria do Camisa Verde e Branco, uma das mais tradicionais escola de samba de São Paulo, descobriu que sua porta-bandeira estava grávida. "Impossível desfilar!", sentenciaram.

    A dirigente da escola responsável por treinar o casal para o desfile ligou então para Vivi, a rainha de bateria da Mocidade que sonhava em ser porta-bandeira em sua escola do coração, a Camisa. Ao saber da troca de última hora, o mestre-sala da escola se recusou a desfilar com Vivi.

    "Tenho um nome a zelar, não posso desfilar com uma porta-bandeira de fundo de quintal", disse. O jeito foi chamar Gabi, que naquele ano não desfilaria, para ser o par de Vivi. "Agora que eu sei da responsabilidade de ser porta-bandeira. Se fosse hoje, jamais teria coragem de desfilar sem ter ensaiado", conta Vivi.

    Ainda assim, o casal saiu do Anhembi com a nota máxima de todos os jurados. Porta-bandeira de primeira viagem, Vivi ouviu comentários de que o mérito das notas dez para o casal eram apenas de Gabi, que já era consagrado. Para tentar provar que os comentários eram maldosos, Vivi começou um intenso treinamento para o Carnaval seguinte. "E o resultado veio. Fomos o único casal daquele ano a receber nota máxima".

    Com a ajuda do marido, Vivi aprendeu a reverenciar o pavilhão da escola, a não conduzir o símbolo máximo da agremiação de saia curta, de chapéu ou com bebida na mão. Sambar com o pavilhão também estava proibido. Descobriu que durante o desfile, o casal não pode sequer conversar. A comunicação deve ser feita por meio de olhares e toques nas mãos.

    Aprendeu que a tradição do mestre-sala e da porta-bandeira é inspirada no minueto, dança da aristocracia europeia. Soube que no Brasil os escravos ao som do batuque imitavam a dança que viam nos saraus da casa grande e que adicionaram à coreografia o gingado da capoeira.

    Vivi ouviu ainda histórias de como antigamente as escolas de samba e cordões carnavalescos tinham como objetivo roubar o pavilhão da agremiação rival. Por isso, o mestre-sala deve sempre zelar e defender o símbolo da escola.

    "Às vezes as pessoas não conseguem mensurar o que é essa responsabilidade. Atrás de um pavilhão de uma escola, você tem milhares de pessoas. Pessoas que você nunca viu, nem conhece", conta Gabi. Já vi gente cair beijando meus pés ou tocando na saia da vivi. Parece que a gente é intocável. Você perde a sua identidade e assume a identidade da escola", explica ele.

    Escolas de Samba - SP

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