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    Reação de autoridades a massacres lembra Carandiru, diz relator da OEA

    ISABEL FLECK
    DE WASHINGTON

    22/03/2017 22h19

    O relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA (Organização dos Estados Americanos) James Cavallaro disse, em sessão em Washington sobre os presídios no Brasil, que as polêmicas declarações dadas por autoridades brasileiras após as chacinas ocorridas em presídios no país neste ano remetem ao massacre do Carandiru, ocorrido há 25 anos.

    Cavallaro, que é o relator responsável para o tema na CIDH, comentava as frases ditas pelo governador do Amazonas, José Melo, de que "não havia nenhum santo" entre os 56 presos mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), em Manaus (AM), e pelo então Secretário Nacional da Juventude Bruno Júlio de que "tinha era que matar mais".

    "Estou com sensação de 'déjà vu'. Isso me lembra as declarações públicas quando aconteceu o caso de Carandiru", disse o relator, que, na época, foi à OEA, como integrante de uma organização de defesa dos direitos humanos, denunciar o massacre em que morreram 111 presos. "Esse tipo de declaração normaliza, justifica e permite que volte a acontecer o tipo de tragédia e de chacina que vemos no Brasil há 20, 30 anos."

    Segundo Cavallaro, ainda se vê hoje "a mesma indiferença das autoridades e a mesma política de colocar mais gente nas cadeias".

    Na sessão na OEA, integrantes das organizações Conectas, Pastoral Carcerária e Justiça Global denunciaram um "agudo processo de encarceramento em massa" no Brasil e a tortura como um processo corriqueiro nas prisões do país.

    Ao relator, os representantes das organizações disseram que as chacinas em que morreram pelo menos 130 pessoas nos primeiros 15 dias de 2017 em prisões de três Estados, atestam "a persistência das condições que possibilitam a ocorrência cíclica de assassinatos em massa".

    "A violência cotidiana [nas prisões], somada às condições desumanas de aprisionamento, e ao consequente surgimento de organizações de presos, que naturalmente disputam espaço num ambiente em que se luta pela sobrevivência, é a receita explosiva, presente em todas as regiões do país, para ocorrência de novos massacres", diz o texto lido na sessão. "A crise, portanto, não é exatamente uma crise, mas um dado permanente do projeto prisional brasileiro."

    As organizações criticaram ainda a resposta do governo brasileiro, dizendo que, ao invés de investir em medidas de redução da população prisional, o Estado "insiste no mesmo modelo que vigora há anos no Brasil e que é comprovadamente ineficiente".

    Em resposta, o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional, Marco Antônio Severo Silva, negou que haja uma política de encarceramento em massa no Brasil. "Este fenômeno do crescimento da população prisional, em curso no país, é resultante da edição de leis e ações levadas a efeito em diferentes momentos da história do país, por diferentes governos, por diferentes ideologias e por diferentes níveis de gestão pública", disse.

    Silva concordou que a prisão provisória é utilizada de forma demasiada "pelos poderes judiciários dos Estados e da União", mas também afirmou que não se pode ignorar, diante do crescimento da população carcerária, o "aumento significativo da criminalidade no país".

    Sem citar números de crimes no país, Cavallaro disse ter certeza de que o aumento da criminalidade não foi tão significativo quanto o de prisões entre 1990 e 2015: de 100 mil para mais de 600 mil. "Não há correspondência entre a criminalidade e a prisão", afirmou.

    Em fevereiro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem sede na Costa Rica e também é vinculada à OEA, emitiu uma resolução pedindo respostas a 52 perguntas sobre a situação do sistema prisional do país e a indicação de medidas concretas adotadas em 11 áreas para evitar violações de direitos humanos nos presídios. O prazo do governo era até 31 de março, mas foi prorrogado, a pedido do Brasil, para 13 de abril.

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