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    Justiça inocenta médica acusada de matar pacientes em UTI de Curitiba

    DO UOL
    DE SÃO PAULO

    21/04/2017 12h11 - Atualizado às 17h53

    A médica Virgínia Helena Soares de Souza foi inocentada da acusação de matar sete pacientes, entre 2011 e 2013, na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Evangélico de Curitiba. O Ministério Público do Paraná vai recorrer da decisão.

    Ela, que era chefe da UTI, havia sido indiciada por homicídio doloso duplamente qualificado por "antecipar a morte" (eutanásia) dos doentes.

    A decisão foi dada nessa quinta-feira (20) pelo juiz Daniel Surdi de Avelar, da 2ª Vara Privativa do Tribunal do Júri, que também inocentou os médicos Edison Anselmo da Silva Júnior, Maria Israela Cortez Boccato e Anderson de Freitas e as enfermeiras Laís da Rosa Groff e Patrícia Cristina de Goveia Ribeiro, que também trabalhavam na UTI.

    O CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná) já havia inocentado os médicos.

    Além das mortes, todos os acusados também respondiam pelo crime de formação de quadrilha, com violação de deveres inerentes à profissão.

    O Ministério Público do Paraná recorrerá da decisão. Para os promotores, foram privilegiados depoimentos de testemunhas de defesa em detrimento de laudos do IML (Instituto Médico Legal). Os promotores dizem ainda que, nos diálogos entre os réus gravados com autorização da Justiça, fica clara a intenção de provocar as mortes.

    Em nota, o órgão afirma que o caso deve ser levado a júri popular, pois "há provas da existência de homicídios e evidências suficientes de autoria". O MP já havia pedido em outubro do ano passado que o caso fosse a júri popular, mas a Justiça negou.

    "Não visualizo suficientes indícios de autoria para a prática dos supostos crimes narrados na denúncia aptos a submeter os acusados a júri popular. Não restou satisfatoriamente demonstrado que os acusados praticavam antecipações de óbitos, seja por questões técnicas, atinentes à medicina, seja pela tênue prova testemunhal nesse sentido", afirmou o juiz na decisão.

    A promotora de Justiça do MP-­PR, Fernanda Nagl Garcez, afirmou que o MP respeita a decisão do juiz, mas que a considera inadequada. "O Código do Processo Penal estabelece que havendo a possibilidade depois da primeira instrução, crime de homicídio com indícios de autoria deve ser mandado a júri popular. Essa decisão não deixou o tribunal vir a julgar isso", explicou.

    Segundo Garcez, a decisão do juiz não levou em consideração "o conjunto das provas, principalmente a prova documental e o prontuário dos pacientes".

    "Um laudo pericial feito pelo IML do Paraná, por um legista isento, analisou cientificamente todos os prontuários e a conclusão foi que todos os pacientes receberam a mesma medicação, com dosagens idênticas, sem levar em consideração que eram pacientes diversos, com tamanhos e condições de saúde diversos. Segundo a perícia, não havia explicação terapêutica que justificasse isso", explicou.

    Ela afirmou ainda que o MP não questiona o uso do medicamento, mas a aplicação dele da maneira como foi feita.

    Andre Rodrigues/Gazeta do Povo/Folhapress
    Médica foi inocentada da acusação de matar sete pacientes entre 2011 e 2013, no Paraná
    Médica foi inocentada da acusação de matar sete pacientes entre 2011 e 2013, no Paraná

    O advogado da médica, Elias Mattar Assad, disse que o juiz acertou ao não levar o caso a júri popular. "Não tínhamos um fato criminoso. Exercer medicina intensiva não é crime e falamos [isso] desde o início", afirmou em entrevista coletiva nesta sexta-feira (21).

    Assad disse que o perito se deixou "inebriar pelas luzes do caso" e ficou tentado a dar opiniões. "Quarenta médicos depuseram no caso. Todos eles estariam errados? O CRM-­PR estaria errado? O juiz analisou errado? Todo mundo está errado?".

    Garcez, por sua vez, disse que a maioria dos médicos ouvidos trabalhava ou ainda trabalha no hospital e não tem isenção para analisar o caso tecnicamente.

    O advogado contou que foi o responsável por dar a notícia em primeira mão para a médica. "Segurei nas mãos dela e falei da sentença do juiz. Os olhos dela se encheram de lágrimas."

    Assad disse que a médica perdeu praticamente tudo o que tinha e que agora mora com o filho. A defesa informou que vai entrar uma ação contra o Estado.

    "Não se pode 'desacontecer' o que já aconteceu. Não há dinheiro no mundo que devolva para alguém o que ela perdeu. Vamos entrar com uma ação contra o Estado de caráter pedagógico, para que o Estado não faça com outras pessoas o que fez com Vírginia", contou. Assad também disse que entrará com ação por danos morais.

    Virgínia já havia ganhado uma ação na Justiça do Trabalho contra o Hospital Evangélico, no valor de R$ 4 milhões. "Foi por questões trabalhistas, mas o hospital tem uma fila para pagar", contou.

    RELEMBRE O CASO

    Os episódios suspeitos vieram à tona em 2013, após investigação da Polícia Civil.

    Segundo a denúncia do Ministério Público, os acusados agiram juntos para terminar com a vida de em pacientes internados na UTI, sob o comando de Virgínia.

    Eles, supostamente, prescreviam certos medicamentos que, aliados à redução dos parâmetros de ventilação, levavam pacientes à morte. Os atos teriam como objetivo a liberação dos leitos na unidade de terapia intensiva.

    Virgínia chegou a ser presa em fevereiro de 2013, sendo solta um mês depois. Em um manifesto divulgado naquele mês, ela afirmou que sofria "o maior erro investigativo e midiático da nossa história". A médica sempre negou as acusações.

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