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    Após curso, ex-detentos iniciam o caminho da ressocialização em SP

    MARCELO TOLEDO
    ENVIADO ESPECIAL A ARAÇATUBA

    01/05/2017 02h00

    Joel Silva/Folhapress
    Luís Afonso Costa no Centro de Ressocialização de Araçatuba
    Luís Afonso Costa no Centro de Ressocialização de Araçatuba

    Ele buscava cocaína na Bolívia, vendia para atacadistas brasileiros e faturava ao menos R$ 50 mil/mês. Foi preso, cumpriu pena e, após ser solto, voltou à atividade criminosa por mais nove anos, até ser detido pela segunda vez.

    Viu a maior parte dos criminosos que atuavam com ele morrerem e, por isso, considera-se "um sobrevivente, em busca de um recomeço". Deixou a prisão em janeiro. Virou microempresário e, da vida de luxo da época do crime, não sobrou nada.

    Já ela começou a vender drogas após o ex-marido, preso por tráfico, sugerir o crime como forma de pagar as contas e manter os quatro filhos do casal. Presa em casa, diz não ter ganhado dinheiro algum com o tráfico e que a cadeia é o pior lugar do mundo, por deixá-la longe da família.

    Em comum, ambos fizeram cursos profissionalizantes nas prisões, cumprem hoje pena no regime aberto, buscam uma nova vida após deixar as grades e afirmam que estão regenerados. Ele é Luís Afonso da Costa, 55, que diz hoje se contentar com os R$ 1.000 de renda média que passou a ter com serviços como eletricista, pintor e encanador, após cursos que fez no período em que ficou preso no CR (Centro de Ressocialização) de Araçatuba, no interior paulista.

    Joel Silva/Folhapress
    Luis Afonso Costa dentro do Centro de Ressocialização de Araçatuba, no interior de SP
    Luis Afonso Costa dentro do Centro de Ressocialização de Araçatuba, no interior de SP

    Ela é Taize de Fátima Santos Amaral, 24, que passou nove meses detida, tempo suficiente para estudar pintura e hidráulica no CR de São José do Rio Preto (SP). "Recomecei a vida. É tarde? É. Perdi muito tempo, mas a família, principalmente, a idade e o tempo que passei no CR me fizeram mudar. Tive apoio psicológico, médico, concluí o ensino médio e fiz o Enem. A chance de eu voltar para o crime é de -10%", disse Costa.

    Embora em liberdade, ele cumpre pena no regime aberto até 2021. Foi preso pela primeira vez em 1995, em Mato Grosso do Sul, com 7 kg de cocaína. Condenado a seis anos de prisão, cumpriu quase quatro no regime fechado. Saiu, vagou por empregos em concessionária de veículos, madeireira e venda de móveis até que, em 2002, retomou a vida no crime.

    Voltou a ser preso em 2011 na rodoviária da cidade, com 2 kg de cocaína, e condenado a 10 anos e 8 meses de prisão, dos quais a metade cumpriu no regime fechado, além de um período no semiaberto. "Hoje, não ganho quase nada. Estou começando. Abri minha firma e não me arrependo", afirma. "Só que tem de perseverar muito, blindar a mente e ter apoio. Se encontrar uma pessoa errada na hora errada, já era", diz.

    "Vivia com medo de ser pego, enquanto hoje posso dormir com as portas abertas. Isso não tem preço. Não tenho nada, longe do padrão de antes, mas vivo feliz."

    Seu patrimônio é composto por uma casa, um veículo ano 1998 e uma moto. Ao sair da prisão, conta que foi procurado por antigos fornecedores de droga, porém recusou. "É uma opção. Ter feito os cursos, estudado e visto que é possível mudar de vida mudaram minha cabeça. No CR, não gastei nada até para montar os pedidos que fiz à Justiça."

    A prisão tem 220 vagas e abriga 236 detentos –cheia, mas menos ocupada que penitenciárias que chegam a ter o dobro de detentos em relação à capacidade–, dos quais 160 trabalham e 130 cursam ensino fundamental ou médio, afirma o diretor-técnico José Antônio Rodrigues Filho.

    Joel Silva/Folhapress
    Taize Amaral, 24, que fez curso de hidráulica e pintura
    Taize Amaral, 24, que fez curso de hidráulica e pintura

    NO MERCADO

    Taize ocupou manhãs e tardes de um mês de sua pena com cursos de pintura e hidráulica, o que serviu, diz, para amenizar a distância dos quatro filhos –de dois a sete anos– e a pensar em não mais se envolver com o crime. Presa em casa em março de 2016 com 103 gramas de cocaína e 178,1 de crack, deixou a prisão em 9 de dezembro e agora procura um emprego.

    "Deu certo porque fui para o CR e lá é para quem quer uma mudança de vida. O pior de tudo foi ficar sem ver os filhos. Superei ficar sem ver mãe e pai, mas entrei em depressão, chegava a ouvir a voz deles me chamando."

    O "erro", como ela define, foi ter reclamado com o pai das crianças que não conseguia emprego. "Ele disse que daria uma dica, mas que eu faria se quisesse. Conversei com pessoas que ele indicou e aceitei [vender drogas]."

    Foram duas semanas de envolvimento, até ser presa. Ao sair, conseguiu uma vaga no setor de limpeza de uma faculdade, mas perdeu-o após licença médica. Sua pena no regime aberto acaba em novembro –ter trabalho é requisito para seguir em liberdade. "Quando ganhei a liberdade, os quatro filhos foram me buscar. Ver que eles sofreram fez ter a certeza de que não vale a pena."

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